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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

terça-feira, dezembro 27, 2005

AÇÃO SOCIAL DE LULA DECEPCIONA ESQUERDA REGIONAL

Flávio Marreiro, de Buenos Aires (*)



O Brasil é o maior país da região, com o maior PIB (Produto Interno Bruto), com um emblemático presidente ex-sindicalista, que obtém sucesso na política externa, em especial nas recentes negociações da OMC (Organização Mundial do Comércio). Ao mesmo tempo, o Brasil atravessa grave crise política, está sob uma política econômica restritiva, e não há, à exceção do Bolsa-Família, resultados visíveis da sua política social, quase três anos após a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto. É esse segundo parágrafo que faz do governo Lula uma sombra para o futuro governo de Evo Morales na Bolívia (foto acima), que, como o brasileiro, fez discurso falando de "mudança" e "esperança". "Ouvi muita gente assustada no movimento social da Bolívia, da Colômbia. Diziam: "Não queremos um Lula, não queremos um traidor'", conta o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, da UFRJ, que visitou a região em agosto e teve conversas com Morales e lideranças camponesas.

A mesma ameaça de "roubo da mudança" apareceu no relato da vitória de Morales feito pelo jornal de esquerda argentino "Página 12". "Através do sistema de comunicação entre táxis, uma voz de homem celebra o triunfo de Morales. A voz diz: "Votamos pela mudança, e venceu a mudança. Viva Evo, o homem dos trabalhadores". Depois se escuta um riso, um Evo entrecortado, e a voz diz, agora com ironia: "Sempre e quando Evo não roube a mudança, como Lula fez no Brasil'".

Se para a esquerda intelectualizada do continente, refletida no jornal, e para parte do movimento social, a experiência do governo Lula é um engodo ou um elemento conservador na virada do continente à esquerda, o Planalto segue sendo um apoio buscado por todos os líderes, de Hugo Chávez a Néstor Kirchner ao próprio Evo Morales, principalmente como parceiro moderado, contrapeso do desgaste pelo não-alinhamento com os EUA de George W. Bush. "A boa relação do Brasil com os EUA, a ligação direta entre Lula e o presidente americano, George W. Bush, funcionam como uma espécie de "airbag", principalmente para o explosivo nacionalismo indígena", explica Teixeira da Silva. Lula, Chávez e Kirchner exibirão ao mundo sua sintonia em janeiro, quando terão nova reunião tripartite em Brasília.

AMÉRICA LATINA: Exaustão de modelo leva a êxito da esquerda
Para especialista, falta de reconhecimento da necessidade de universalizar serviços de qualidade ajuda esquerdistas

João Batista Natali (*)

Os sucessivos êxitos de candidatos das esquerda em recentes eleições latino-americanas refletem uma reação a duas tendências. A primeira é a estagnação, que já dura quase dez anos, dos mecanismos que procuram diminuir uma injusta distribuição de renda. A segunda está no esgotamento de um modelo recomendado pelo Banco Mundial e que consiste em dar renda mínima aos mais pobres, sem reconhecer a necessidade de universalização de serviços públicos de qualidade. É o que diz a economista e especialista em políticas sociais Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A América Latina, como um todo, está hoje mais pobre do que há dez ou há 15 anos?
Lena Lavinas - A Cepal informa que, em 1990, os pobres eram 48,3% da população. Caíram para 43,8% em 1997, e de lá para cá essa proporção não se alterou. O número de indigentes também caiu nesse primeiro período, de 22,5% para 19,6%, e, em 2004, estavam ainda em 18,6%. Ou seja, estamos numa década onde prevalece a estabilidade, inclusive nos números da pobreza e indigência. Já a desigualdade piorou na maioria dos países, como Chile, Argentina, Bolívia, Equador, Peru e Uruguai. Brasil e México são casos raros de leve declínio da desigualdade no período. Ainda assim, o Brasil é de longe o mais desigual. Em segundo lugar, segundo o Banco Mundial, agora vem o Chile.

E os programas sociais que muitos desses países aplicam?
Lavinas - Nos anos pós-Consenso de Washington, passa a prevalecer o paradigma da "gestão social do risco". Em lugar de manter um sistema de proteção social integral, auxiliam-se apenas os que estão em situação de risco comprovado, através da concessão temporária de mínimos sociais. Na Argentina, há um programa para adultos desempregados, no México, o "Progresa" já está em sua segunda etapa, com forte impacto nas áreas rurais. No Chile, criou-se o "Chile Solidário", renda mínima para 200 mil famílias. Mas quase nada se altera em termos de emprego ou mobilidade social, etc. Para melhorar, os latino-americanos estão emigrando.

Por que esses programas não são a solução?
Lavinas - Porque o antídoto não ataca a raiz do problema, a desigualdade, que está crescendo. Atenuar o grau de destituição dos mais pobres não significa promover inclusão crescente e sustentável, reduzir diferenciais de acesso, promover a eqüidade. Temos crescido pouco no continente. Estamos longe de superar nossa heterogeneidade estrutural. Para piorar o quadro, os governos latino-americanos deram as costas à universalização dos serviços públicos, como a educação e a saúde.

E o caso da Bolívia?
Lavinas - A eleição de Evo Morales é uma reação a um quadro de estagnação e de piora das desigualdades. Ele se elegeu com um programa que condena o modelo social residual. Lá está dito com todas as letras: "Refutamos a idéia de que o Estado deve atender só os grupos sociais que não podem assegurar sua própria subsistência". Ele ganhou com uma plataforma clara na área social: cobertura de saúde integral e universal, na direção oposta às reformas privatizantes. Ele recusa a crítica ao papel inoperante do Estado na provisão de serviços de saúde e educação. A palavra de ordem deles é "viver bem e redistribuir equitativamente a riqueza", e isso vai na direção da radicalidade perdida na década liberal. Programas de renda mínima para pobres, aliás, jamais foram a bandeira das esquerdas.

DEBATE: Ícones discutem o papel do mercado

A Folha pediu ao lendário economista Milton Friedman, símbolo da direita liberal, e ao cientista social Norman Birnbaum, reputado representante da esquerda dos EUA, que respondessem à pergunta: "A atual ordem econômica mundial influencia a aplicação de políticas na América Latina?". Leia a seguir suas respostas.

MILTON FRIEDMAN: Uma economia internacional mais aberta acaba reforçando a democracia, já que requer mais transparência dos políticos. Mas, quando estudamos a ordem econômica mundial atual, observamos uma situação complexa, pois, na prática, isso não ocorre por conta do forte protecionismo de algumas grandes potências. Porém também é errado culpar o mercado global pelas más decisões dos dirigentes de países em desenvolvimento. Não se trata de o mercado concordar ou não com as escolhas populares. Em momentos de incerteza, o mercado financeiro só infere que as conseqüências dessas escolhas não serão benéficas a seus interesses. Entretanto os povos latino-americanos continuam podendo eleger seus candidatos favoritos. Os brasileiros ou os bolivianos têm o direito de privilegiar um sistema de governo deletério para o mercado. Trata-se de uma opção legítima e merecedora de respeito. Por outro lado, a eleição de um candidato mais socialista ou coletivista é, irrefutavelmente, adversa para o comércio internacional. Mas os latino-americanos podem querer arcar com o custo de sua liberdade de escolha.

(Milton Friedman, ícone do pensamento econômico liberal contemporâneo, recebeu o Nobel de Economia em 1976).

NORMAN BIRNBAUM: Não tenho razão para acreditar que as eleições e os sistemas políticos brasileiros ou bolivianos não sejam democráticos. Mas, tendo em mente a atual ordem econômica global, não sabemos se os latino-americanos podem exercitar seus direitos democráticos livremente nem se os países da região podem exercer sua soberania. Isso em razão da intervenção dos chamados "mestres" dos mercados financeiros nos processos democráticos nacionais. Assim, a democracia interna latino-americana acaba sendo limitada pela falta de democracia existente no controle do mercado internacional. As escolhas dos povos latino-americanos são constantemente ameaçadas pelo setor bancário internacional. Este mina a capacidade de decisão dos latino-americanos, indicando que, se um candidato quiser aplicar dinheiro demais nas necessidades sociais do país, não dando a "atenção necessária" às regras das finanças internacionais -equilíbrio da balança comercial, pagamento de juros etc.-, a população sofrerá as conseqüências desses atos de seus dirigentes. Sem dúvida, trata-se de um tipo de interferência externa.

(Norman Birnbaum, expoente da esquerda americana, é professor emérito da Universidade de Georgetown (EUA)).

(*)Repórteres do jornal Folha de S. Paulo. Textos publicados na edição de 25/12/2005.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

EDUCAÇÃO: ALUNO DA REDE PÚBLICA É MELHOR NA UNICAMP
















Nota desses estudantes foi superior à dos da escola privada em 29 dos 55 cursos analisados no primeiro semestre

Fábio Takahashi (*)

Eles saíram atrás. Seis meses depois, já estavam à frente. Esse é o resultado da análise do desempenho dos estudantes de escola pública que ingressaram neste ano na Unicamp em comparação aos da rede particular. Dos 55 cursos analisados, esses alunos tiveram notas mais altas em 29 durante o primeiro semestre letivo. Em outros quatro, as médias foram idênticas. Isso significa que em 60% das carreiras o desempenho dos universitários provenientes do ensino médio público, em geral deficitário, foi igual ou superior aos da rede particular. O bom aproveitamento dos alunos da rede pública nas aulas de graduação fica mais evidente ao se considerar o desempenho deles no vestibular: eles tiveram notas melhores em apenas 4 dos 55 cursos. Ou seja, começaram o ano em desvantagem, mas se recuperaram durante o semestre. A presença desse perfil de alunos entre os aprovados cresceu 22% no último vestibular, devido a um programa inédito que concedeu pontos extras aos alunos das escolas públicas. A Unicamp buscou, com isso, colocar dentro da universidade estudantes que ficavam de fora por questão de poucos pontos.

"Os resultados do primeiro semestre mostram que eles realmente possuíam potencial", diz o coordenador-executivo da Comvest (comissão que organiza o vestibular), Leandro Tessler. "Atacamos o mito de que a escola pública baixa o nível da universidade. Aqui, até melhoramos nosso corpo discente." Foram avaliados os desempenhos de 2.829 ingressantes deste ano, sendo que 931 ganharam bonificação. O estudo foi finalizado na semana passada. A vantagem apareceu até mesmo no disputado curso de medicina. A nota média dos estudantes bonificados, em todas as disciplinas do período, foi 7,5, ante 7,2 dos demais. A maior diferença ocorreu em física, em que os estudantes da rede pública obtiveram 5,4 de média, contra 4,6 dos demais (variação de 17%).

Mas como um aluno que possui uma formação escolar inferior e condições socieconômicas piores consegue tirar notas melhores na universidade? Para os autores do levantamento, as próprias dificuldades fazem com que os estudantes tenham maior capacidade de adaptação e saibam lidar melhor com situações adversas. "Acho que o aluno de escola pública tem mais orgulho de estar em uma universidade pública", afirma Flávia Rodrigues, 22, aluna que se beneficiou da bonificação para ingressar em história.

Já a coordenadora da carreira de medicina, Angélica Maria Bicudo Zeferino, afirma que a instituição tenta não fazer distinção dos alunos no dia-a-dia, para evitar discriminação. Mesmo assim, ela relata: "Os alunos de escola pública se esforçam muito no curso". Caio Buni, 20, é um exemplo. As aulas de seu curso, ciências da computação, terminam depois das 23h. Para conseguir acompanhar o curso, ele costuma ficar até por volta das 3h da madrugada nos laboratórios. "Faltou uma base melhor no ensino médio". "A hipótese de que o estudante de baixa renda se esforça mais é plausível, mas ainda faltam estudos aprofundados sobre isso", diz o antropólogo João Baptista Pereira, professor emérito da USP e presidente da comissão que estuda políticas de ação afirmativa.

(*)Repórter do jornal Folha de S. Paulo. Matéria publicada em 22/12/2005.

COMPORTAMENTO

Encarar a virada do ano com mais simplicidade diminui o estresse -que aumenta até 75% neste período


Iara Biderman (*)

Faltam dois dias para a ceia de Natal, nove para o Réveillon. Na correria da reta final, o estresse é tanto que parece que não é o ano que vai acabar, e sim o mundo. O que muita gente não percebe é que tudo poderia ser bem mais simples se não estivesse vivendo nesse clima de urgência e alimentando expectativas vagas -dos presentes que vai dar e ganhar às promessas de Ano Novo- há mais de um mês. Exatamente, desde 15 de novembro. A data foi definida na mais recente pesquisa da Isma-BR (International Stress Management Association, Brasil), uma associação sem fins lucrativos que estuda o estresse e suas formas de prevenção. Que a tensão aumenta quando o fim do ano se aproxima é fácil perceber. O que a pesquisa fez foi quantificar isso: em média, o nível de estresse aumentou 75% na população entrevistada -678 pessoas (homens e mulheres) de 25 a 55 anos e economicamente ativas. A novidade foi localizar, nas páginas do calendário, quando isso começa e, o melhor, quando acaba: dia 7 de janeiro.

Não é pouca coisa saber que o desconforto emocional tem data para acabar -e é logo. Para o psiquiatra Tito Paes de Barros Neto, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, se há um aumento da ansiedade nesta época (segundo a pesquisa do Isma, 70% das pessoas se sentem mais ansiosas e 55% usam mais medicamentos para o sintoma), o primeiro recurso para controlar isso é saber que é só uma fase, vai passar.

ANSIEDADE SAZONAL
De acordo com Barros Neto, algumas pessoas estão em uma categoria fronteiriça da ansiedade: não vivem necessariamente a patologia, mas, ocasionalmente (em épocas como o fim de ano), um sofrimento leve, que pode ser tratado de formas menos invasivas: "massagens, ioga, técnicas de relaxamento ou meditação", sugere. Mas, se a ansiedade se exacerbar a ponto de atrapalhar a vida, o psiquiatra recomenda que a pessoa procure ajuda especializada. Mesmo que seja só um problema sazonal, ele não tem nada contra o uso de medicamentos, com acompanhamento e por um período determinado -só naquele em que a coisa aperta.

Depois, é viver."Um pouco de ansiedade todo mundo tem, basta estar vivo", diz. Para José Roberto Leite, coordenador da unidade de medicina comportamental da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), uma forma de simplificar as coisas é entender que, neste período do ano, há um padrão cultural que leva as pessoas a interpretar qualquer apelo de consumo, atividade ou programa como uma exigência. Nem todas podem ser cumpridas, mas a antecipação dessas "exigências" é a grande desencadeadora do estresse.

"É preciso questionar esses pensamentos disfuncionais, a idéia do "tenho de" -comprar, servir, fazer. Por que sou obrigado a adquirir um monte de cacarecos para toda a família? É preciso colocar as coisas nos devidos lugares, resgatar os verdadeiros valores. Se é Natal, vamos enfatizar o fato de estarmos juntos, não é preciso mais nada", afirma. O ator e empreendedor social Wellington Nogueira, 45, põe isso em prática há dois anos. "Na minha casa, dia de Natal só tem presente para as crianças. Os adultos têm de trazer um pensamento, uma música, uma poesia para presentear os outros. Quando as pessoas se conectam, a mágica acontece: todos relaxam, ficam felizes. Hoje, desejar algo de bom para alguém já é um feito."

VIVER O PRESENTE
Simplificar o Natal faz parte de um projeto maior de Nogueira: conseguir resolver as coisas com a simplicidade de uma criança. Ele conta que está aprendendo isso com o filho Theo, 6. Coordenador do grupo Doutores da Alegria, que visita crianças em hospitais, Nogueira passou este semestre com uma agenda excepcionalmente cheia, mas teve de encontrar meios de passar mais tempo com o filho. "Resolvi mudar minha vida. Como? Simplesmente abdicando de um monte de coisas. E vi que, apesar da minha ausência, elas aconteceram, ninguém morreu." A receita do doutor da alegria é viver o aqui e agora: "Aprendi a entender, a respeitar e a viver o bendito do presente. É a única certeza que temos. Depois, "adiós" moçada".

Para alcançar isso, ele acredita que bastam medidas simples: "A gente tem um poder incrível de apertar um botão e desligar o celular", diz. É assim que ele consegue preservar o seu tempo e, afirma, sua sanidade. Mas os caminhos para simplificar a vida são muitos, e o que funciona para alguns não serve para outros. A consultora de moda Christiane Francini, 36, faz exatamente o contrário de Wellington Nogueira. "Fico com o celular ligado o tempo todo. Para mim, não é estresse: saber que posso ser encontrada a qualquer momento me deixa mais tranqüila", afirma. Como consultora de moda, Francini ajuda os outros a simplificar coisas da vida como montar um guarda-roupa ou fazer uma mala. A idéia é selecionar e planejar. O mesmo conceito usado para tirar o excesso de peso de uma mala de viagens é usado para simplificar o dia-a-dia. Ela diz que tudo já está previamente planejado. "Não vivo sem minha agenda. E é nessa agenda que deixo espaços em branco -são os momentos que terei para mim, garantidos." O segredo para conseguir realizar o planejado é, para Christiane, organizar o curto prazo: "Não consigo planejar o que vou fazer daqui a quatro semanas. Organizo minha agenda a cada dois dias", conta.

PROMESSAS SIMPLIFICADAS
O que Christiane descobriu na prática, o consultor em comportamento organizacional Abraham Shapiro constatou entrevistando cerca de 500 pessoas que procuraram sua consultoria. Durante o ano de 2005, Shapiro perguntou aos seus clientes o que aconteceu com as promessas ou metas que se propuseram no início do ano. "O que fizeram foi estabelecer metas para o ano inteiro, um prazo muito longo. Em março ou abril, já haviam desistido delas", relata.

Shapiro acredita que planejamento é essencial para simplificar o caminho para a realização de metas pessoais. "E a forma de simplificar é fatiar essas metas em etapas. Vou realizá-las passo a passo. Em vez de ficar pensando em todas as etapas do processo, concentro-me no primeiro passo, algo mais fácil de se tornar realidade. Assim, alimento meu sistema de motivação interior e tenho mais forças para cumprir a próxima etapa. O segredo é pensar no curto prazo e saber que esse é a fração que compõe o longo prazo", explica o consultor.

DESEJOS REALISTAS
Decompor objetivos de vida em etapas também ajuda a ter uma visão mais realista do que se quer e controlar as expectativas, um grande passo para evitar o estresse, segundo Ana Maria Rossi, presidente do Isma-BR. É o que o chef Luciano Boseggia, "35 anos de panela", idade não revelada, tenta fazer nesse momento de sua vida. "Já tive tanto sonho frustrado... agora estou tentando andar mais com a realidade", conta. Depois de passar por alguns dos restaurantes mais luxuosos de São Paulo, ele adotou um conceito mais descontraído, mais próximo ao cliente de restaurante. "Em italiano, "osteria" é isso, algo mais familiar, mais relax", explica. No comando da Osteria Don Boseggia, o chef conta que tem tempo de tomar uma grappa com o cliente e de curtir coisas mais simples que lhe dão prazer. Em dezembro, um mês de muito trabalho em sua área, não está tendo tanto tempo assim. Enquanto prepara as ceias dos outros, nem sabe o que vai cozinhar para o Natal da família. "Vou abrir a geladeira, ver o que tem e fazer a ceia com isso", relaxa. É simples assim.

(*) Texto escrito para o caderno Equilíbrio do jornal Folha de S. Paulo, de 22/12/2005

segunda-feira, dezembro 19, 2005

VESTIBULAR: UNESP REGISTRA 19% DE ABSTENÇÃO

17.889 candidatos não compareceram ao primeiro dia de prova, que segue hoje e amanhã


Ricardo Westin e Luciana Mattiussi(*)

O número de ausências neste ano no vestibular da Universidade Estadual Paulista (Unesp) foi o maior dos últimos cinco anos. Dos 93.948 inscritos, 17.889 vestibulandos não fizeram a prova ontem à tarde, no primeiro dos três dias do exame. O índice de ausência, de 19%, ficou bem acima dos porcentuais registrados nos últimos anos, que ficaram em torno dos 14%. Para a coordenação do vestibular, o principal motivo para tamanha ausência foram as isenções da taxa de inscrição. Neste ano, foram concedidas cerca de 25 mil isenções, praticamente o dobro do ano passado. “Muitas das pessoas que não precisaram pagar a taxa de inscrição trabalham. E podem ter se esquecido de que as provas também ocorrem durante a semana, quando estão no trabalho”, explica o professor Fernando Dagnoni Prado, o coordenador do vestibular.

O exame de ontem foi o primeiro de uma série de três. Os candidatos tiveram de responder a 84 questões de conhecimentos gerais. Hoje, será realizada a prova de conhecimentos específicos, com perguntas que variam de acordo com o curso escolhido. Amanhã serão aplicadas a prova de português e a redação. Em todos os dias, o início da prova é às 14 horas. Os alunos, porém, devem chegar com pelo menos uma hora de antecedência. As provas ocorrem em 24 cidades de São Paulo. Para o ano que vem, a universidade oferece 6.174 vagas.

FUTEBOL
A vitória do São Paulo no Mundial Interclubes, ontem de manhã, acabou prejudicando alguns vestibulandos da capital. Quem precisou pegar ônibus ou metrô para fazer a prova no bairro da Liberdade, na região central, não contava com um empecilho: a festa dos torcedores. Por causa disso, estudantes se atrasaram e acabaram impedidos de entrar no local de prova.

Augusto César Nisivima, de 18 anos, e a prima Carolina Nisivima, de 19, chegaram ao local do exame logo após o portão ter sido fechado, às 14 horas. “Viemos do Horto Florestal e o ônibus que pegamos estava lotado de são-paulinos comemorando. Parava toda hora. Tivemos de descer e pegar outro. Depois, fomos para o metrô, que estava andando superdevagar”, contou Augusto. “É um desespero”, resumiu. Carolina chorou. Os dois iriam tentar uma vaga no curso de Medicina.

Nenhuma reação, porém, se comparou à de Lúcia Alves da Silva, de 18 anos. Assim que chegou e viu o portão fechado, a estudante começou a chorar desesperadamente. Seu nervosismo era tanto que o nariz sangrou, causando comoção em quem ainda estava no portão. Lúcia iria prestar Fonoaudiologia. “Moro no Itaim Paulista e saí de casa às 10h30. Vim de trem e metrô.” Segundo ela, o trem ficou parado muito tempo. Lúcia foi levada pela polícia a um pronto-socorro.

PROVA FÁCIL
A maioria dos vestibulandos considerou fácil a primeira prova do vestibular da Unesp. No entanto, já esperam dificuldades nos outros dois dias de exame. A partir de amanhã, as questões são específicas. Rafaela Fava, que tem 18 anos e busca uma vaga no curso de Agronomia, oferecido no campus de Jaboticabal, disse que as questões de humanas foram fáceis. “Já as de exatas foram bem difíceis”, contou, logo depois de sair da sala de prova, em Ribeirão Preto.

Camila Souza Gomes, de 17 anos, que fez a prova em Campinas, achou que o exame da Unesp foi menos complicado que o da Fuvest. “Neste primeiro dia o nível de dificuldade foi médio”, comentou ela.

(*)Repórteres do Jornal O Estado de S. Paulo. Matéria publicada na edição de 19/12/2005.

terça-feira, dezembro 13, 2005

CAEM AS NOTAS DE CORTE DA FUVEST


Dos cerca de 150 mil alunos que fizeram a 1.ª fase, 31.104 passaram para a 2.ª etapa, que começa no dia 8

Renata Cafardo (*)

As notas de corte da Fuvest, que vinham subindo desde 2002, caíram no vestibular deste ano. Elas significam as quantidades mínimas de acertos necessários na prova da primeira fase para que o estudante passe para a próxima etapa. E são calculadas a partir de uma média do desempenho dos candidatos, em cada curso. Por isso, o resultado indica que o exame para ingressar em uma das vagas da Universidade de São Paulo (USP), da Santa Casa e da Academia de Polícia Militar do Barro Branco foi mais difícil neste ano (veja quadro ao lado). Dos cerca de 150 mil alunos que fizeram a primeira fase, 31.104 foram aprovados para a segunda, que começa no dia 8 de janeiro. O número inclui os treineiros, aqueles que fazem o vestibular apenas como uma experiência, porque ainda não terminaram o ensino médio e não podem concorrer a uma vaga. A lista com os nomes e com os locais de prova será divulgada na sexta-feira.

A nota mais alta foi a de Medicina, com 73 pontos entre os 100 possíveis. No ano passado, havia sido 81 e, em 2003, 78. Outros cursos que costumam ter as maiores notas da Fuvest - como Publicidade e Propaganda, Relações Internacionais, Jornalismo e Direito - registraram os mais baixos índices desde 2003, quando a prova da primeira fase foi mudada. Até então, a primeira fase era feita em dois dias e tinha 160 questões.

Já os cursos que tiveram as mais baixas notas foram Música, em Ribeirão Preto, com 25 pontos, e Fonoaudiologia, em Bauru, com 27. Entre os sete cursos criados neste ano pela USP, o de Design foi o que teve a maior nota de corte (61), ficando entre os 15 nos quais os alunos tiveram melhor desempenho. Para o curso de Ciências Físicas e Biomoleculares, que será oferecido em São Carlos, a nota mínima foi 60.

As vagas no vestibular da Fuvest estão divididas entre 9.952 para a USP, 100 para a Santa Casa e 195 no Barro Branco. As provas da segunda fase serão dissertativas. Apenas a prova de português, com redação, é feita por todos os candidatos. As outras disciplinas são cobradas de acordo com cada curso.

REDE PÚBLICA

O diretor da Fuvest, Roberto Costa, não quis analisar os possíveis motivos que levaram à redução na nota de corte, se limitando a afirmar que as questões podem ter sido mais complexas neste ano. "Provavelmente o exame foi mais difícil", disse. A avaliação vai ao encontro da análise feita por professores de cursinhos. Para eles, o exame neste ano teve questões criativas e bem elaboradas, que eles classificaram como entre médias e difíceis.

A redução aconteceu também no ano em que a entidade recebeu um recorde histórico de inscrições: cerca de 170 mil. Os cursos da USP Leste e o número maior de isenções da taxa do vestibular fizeram com que aumentasse muito o número de candidatos carentes, o que também pode ter influenciado na baixa das notas. A quantidade de estudantes com renda familiar inferior a R$ 1.500 passou de 39,2% para 42,8%. E subiu de 38,6% para 41,8% o número dos que cursaram ensino médio na rede pública de ensino.

"Acreditamos que tem toda a relação a nota de corte estar menor e as cerca de 60 mil isenções que a USP forneceu neste ano para alunos pobres. E achamos isso positivo, porque é uma chance a mais para os alunos carentes", afirma frei David dos Santos, da organização não-governamental Educafro, que mantém uma rede de cursinhos voltados para alunos negros e carentes. "Não é problema a nota cair, porque o vestibular não mede capacidades, mede quem tem oportunidades de estudar em cursinho caro", diz.

(*)Repórter do Jornal O Estado de S. Paulo. Matéria publicada na edição de 13/12/2005.

CANDIDATO AO PROUNI DEVERÁ TER PELO MENOS 45 PONTOS

A nota mínima para os candidatos ao programa de bolsas Universidade para Todos (ProUni), do Ministério da Educação (MEC), será de pelo menos 45 pontos de média no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A informação foi dada ontem pelo ministério, no primeiro dia de inscrições para o programa, que terá, ao longo de 2006, 130 mil vagas em 1.080 instituições. "Ainda não definimos a nota de corte, mas ela não será inferior a 45 pontos", disse o ministro da Educação, Fernando Haddad. Trata-se da nota mínima que os estudantes precisam obter para concorrer a uma vaga. Neste ano, na primeira edição do ProUni, ela foi de 45 pontos. Mas só conseguiram vagas os que fizeram mais de 65. A nota de corte é definida pelo MEC, mas a concorrência acaba elevando a média necessária. Até o início da tarde, já havia quase 40 mil inscritos no programa. A expectativa é de que o número passe de 600 mil.

Em 2005, foram 340 mil candidato beneficiados pelo ProUni, a maioria brancos, segundo levantamento divulgado ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Das 112 mil bolsas 72,8 mil foram para brancos, 38 mil para negros e 1,2 mil para índios. Segundo Lula, os projetos desenvolvidos pelo MEC reduziram o analfabetismo e melhoraram o desempenho da "meninada". "Sai debaixo, porque eles vêm com tudo para ser vitoriosos", disse.

domingo, dezembro 11, 2005

ENTREVISTA: FRANCISCO ANTONIO DORIA


EXPORTAM-SE CÉREBROS. PERDE O PAÍS

O problema não é o apagão de energia elétrica, mas sim o apagão intelectual - um desastre capaz de interromper qualquer projeto de desenvolvimento

Fred Melo Paiva (*)

Francisco Antonio Doria já tinha se cansado dos discursos sobre a perda de competitividade das indústrias brasileiras. Foi então que, diante do espetáculo dos que não cresceram, pediu a palavra: "Temos tido um sucesso inesperado e certamente não desejado em outro aspecto de nosso comércio exterior: a exportação de cérebros". Ministros franziram a testa, empresários e sociólogos cruzaram olhares de interrogação. Francisco foi em frente: contou primeiro a história de um doutor em física que foi dar aulas nos Estados Unidos, já tem o green card e deve se tornar em breve um cidadão americano. Depois fez um relato pessoal da frustrada tentativa de conseguir uma bolsa para seus estudos na área de Lógica. Terminou lembrando um personagem histórico que de tão esquecido ninguém na sala dava notícia de sua existência: "Temos um precedente trágico. Peter Medawar, o Prêmio Nobel cuja cidadania brasileira o Brasil cassou. Trata-se de evitar, daqui a dez anos, um apagão intelectual que vai afetar a fundo o desenvolvimento do Brasil".

Francisco Antonio Doria, 60 anos, é doutor em Física pela UFRJ. Já foi, ele próprio, um cérebro tipo exportação - como pesquisador das Universidades de Rochester e Stanford, ambas nos Estados Unidos, resolveu os dois problemas matemáticos que o consagraram como um grande nome da ciência no mundo. Embora sua praia sejam os números, foi um dos fundadores da Escola de Comunicação da UFRJ nos anos 80, "quando sua proposta era a convergência entre exatas e humanas". É hoje professor emérito da universidade e pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Chico Doria vive em Petrópolis desde 1976, porque "matemática precisa de paisagem bonita". Gosta de ficção científica e volta e meia cita Guerra nas Estrelas - acha que esse pessoal acaba por propor questões no fundo importantes. Foi talvez com esse espírito que Chico tenha se insurgido na última reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), órgão de assessoramento da Presidência da República apelidado de Conselhão. Na entrevista a seguir, ele explica sua teoria do apagão intelectual:

Existe realmente uma perigosa evasão de cérebros para o exterior?
Sem dúvida. Esse movimento começou no tempo de Fernando Collor, e o motivo básico é a compressão salarial nas universidades. Pegue um professor titular, aquele sujeito que geralmente é um chefe de pesquisa com muita experiência e que só pelo seu trabalho já está formando pessoas em volta dele. Antes da ditadura, esse professor tinha salário equiparado ao de um ministro do Supremo Tribunal Federal - e um status social correspondente. Hoje, um professor titular de universidade federal, se tiver começado a carreira imediatamente, estará ganhando, líquidos, R$ 4.000 por mês, talvez menos. Por outro lado, a Comunidade Européia oferece bolsas de doutoramento na ordem de 1.100 euros - ou seja, perto do que recebe o professor já em final de carreira aqui no Brasil. Então, se você é realmente bom e tem uma oferta no exterior, vai embora. É o que está acontecendo.

Além dos baixos salários, o que mais favorece a migração de cientistas brasileiros para o exterior?
As condições de trabalho no País. O sistema político brasileiro é absolutamente insensível ao que se faz aqui em termos de ciências. É o caso, por exemplo, do que acontece com a área de Lógica, que está sendo destruída. Não vejo má-fé nesse processo, mas uma cegueira total. O pessoal do CNPq - estou falando especificamente de seu presidente, Erney Camargo, e também de José Roberto Drugovitch, espécie de diretor-executivo - acha que Lógica é área secundária. Da mesma forma que não conheço uma porção de coisas que se faz na área médica, eles - que são responsáveis pela concessão de bolsas para pesquisas científicas - não sabem que da Lógica depende, entre outros setores, o da computação.

Esse já seria um dos motivos que fazem o País ser mais atrasado nesse campo do que, por exemplo, a Índia?
Sim. Quem faz a política científica no Brasil não percebe que determinadas áreas teóricas dão suporte a áreas aplicadas. Nos últimos cinco anos, uma série de pesquisadores em Lógica, gente de alto nível, tem tido bolsas recusadas ou cortadas -inclusive eu. Vou falar em causa própria, mas acho um absurdo que não tenha recebido um centavo do CNPq para editar um estudo sobre hipercomputação. É uma aposta segura, porque mais cedo ou mais tarde alguém vai construir esse supercomputador que irá colocar no chinelo todos os outros. O Brasil tem de ter um nicho de pesquisa nessa área. No entanto, riram de mim no parecer do CNPq, assinado por um comitê cujo processo de escolha dos membros nunca é muito transparente. Eles me ridicularizaram a ponto de dizer que minha proposta era arrogante e ambiciosa. Foram extremamente grosseiros. Isso mostra, sobretudo, que as pessoas que formularam tal parecer não têm capacidade de entender meu trabalho nem minha área de atuação - aliás, junte o currículo das três pessoas que formam o comitê e compare com o meu. Eu ganho. O desrespeito, porém, não aconteceu só comigo. Outros colegas foram surpreendidos com pareceres igualmente ofensivos. Até o grande matemático Newton da Costa recebeu comunicado em que dizem simplesmente que darão a ele a bolsa porque seria um absurdo recusá-la - mas, ressalvam, o que ele faz não tem a menor importância.

Qual a conseqüência dessas recusas e cortes de bolsas para a produção científica?
Não poderemos mais formar pessoal. Porque ninguém vai entrar numa área que não tem apoio de órgão oficial. Aluno promissor vai para área que dá bolsa, onde se tem futuro. Nós temos toda a condição de produzir teses interessantes, de propor muitos problemas. Mas, se a coisa não é valorizada no Brasil, por que ficar aqui? Se o aluno está interessado de verdade, ele vai embora.

Os países desenvolvidos estão interessados em acolher essas pessoas?
Vou contar uma história que responde à pergunta. Minha filha, Mariana, é engenheira química. Interessou-se por Economia Ambiental. Descobriu que a Comunidade Européia criou, no norte da Itália, um centro de pesquisa sobre Economia Aplicada. Ela se candidatou, fez a seleção - que é baseada simplesmente em currículo e entrevista - e está lá estudando com uma bolsa. A primeira peculiaridade, ela me diz, é que a língua das aulas e das provas é o inglês. Aqui isso é proibido por lei. São colegas dela um chinês, um vietnamita, uma paquistanesa e gente de todo o continente. O interesse, claro, é que se fixem por lá e ajudem no desenvolvimento da Europa.

Ela quis continuar os estudos no Brasil?
Sim. Mas disseram que a área dela, Engenharia, não era compatível com Economia. Lá fora, essa questão jamais foi levantada. Aqui, a compartimentação das áreas impede, por exemplo, que eu pegue um bom aluno meu que tenha feito Física e sugira a ele uma pós-graduação em Economia. No entanto, conheço vários pesquisadores do exterior que estão modelando processos econômicos em analogia a processos físicos.

Quais as áreas mais afetadas pela fuga dos pesquisadores?
As Ciências Exatas. Eu já estou muito velho. Mas, se estivesse na faixa dos 30 ou 40 anos, certamente estaria considerando a possibilidade de emigrar. E mesmo eu sendo velho, foi me dito no começo do ano por um colega do exterior que, se eu trabalhasse em modelos matemáticos aplicados a sistemas financeiros, teria para mim uma posição fora do Brasil. Estou pensando seriamente em me interessar pela coisa...

Quais os prejuízos dessa saída dos cientistas brasileiros para o exterior?
O primeiro ponto é o seguinte: c omo se forma um professor? Você pega um aluno talentoso e chama para fazer uma iniciação científica com você. Em geral, oferece uma bolsa para esse aluno. Aí ele vai se interessar pela área e começará a caminhar pelas próprias pernas. Fará mestrado e doutorado. Digamos que termine o doutorado com 30 anos e queira ir para uma universidade pública, onde irá encontrar um ambiente intelectual mais interessante. Nessa hora, ele vai se perguntar quanto estará ganhando com 50, 60 anos. E perceberá que no exterior as possibilidades são muito maiores, mesmo que ele não vá para uma universidade top. E vai embora. Agora, se a universidade está perdendo essa turma, quem vai dar aula daqui a dez anos? Além desse aspecto, veja, por exemplo, a questão da biomassa. Este é um país que recebe sol em todo o território, e portanto um produtor natural. Mas são os Estados Unidos que estão investindo furiosamente nis so. Aqui, era para ter programas prioritaríssimos nessa área, porque é óbvio que não vai existir petróleo para sempre. Mas, ao contrário, estamos perdendo competitividade - e talentos.

A política de distribuição de bolsas para pesquisadores piorou ao longo dos anos?
Antes era sem dúvida muito melhor. Primeiro, havia menos gente fazendo pesquisa e, portanto, pedindo bolsa. Depois, a coisa era mais informal - o CNPq acompanhava seus bolsistas a ponto de ficarmos amigos deles. Se havia uma recusa de bolsa, não era feita dessa maneira grotesca de hoje - havia também a preocupação em apontar um caminho para aquele estudante. Hoje em dia o processo virou uma coisa gigante, burocrática e ineficiente. Eles têm, por exemplo, um currículo padrão, o Currículo Lattes. A maioria das pessoas entrega para a secretária do departamento preencher. Quem não pode quebra a cara. O meu, por exemplo, está incompleto. Preencher um formulário do CNPq é, de resto, um processo infernal. E só é possível fazê-lo se você tiver computador com Windows. Um absurdo! Já vi muito pesquisador bom decidido a nunca mais pedir uma bolsa.


Existe uma política para aumentar o número de doutores no País, ainda que a qualidade desse pessoal seja questionável?

Isso acontece há muito tempo, porque é legalmente exigido das universidades particulares certo número de doutores em seu corpo docente. Como o País funciona em termos de papel e carimbo, então vamos produzir doutores para atender a esse mercado, ainda que não tenham qualidade para obter título algum. Se há uma coisa interessante nos Estados Unidos, é que lá eles não dão bola para papel, mas para a competência das pessoas. Nos EUA, um currículo tem nome, qualificação, título máximo e citações - uma pequena lista de quem citou um trabalho seu e onde apareceu essa citação. Você sabe que no Lattes não tem onde colocar citações a seus trabalhos? O mais importante não tem lá...

Diante desse quadro, qual o panorama da atual produção científica no Brasil?
Há picos isolados: gente muito boa trabalhando na ponta em uma porção de áreas, especialmente aquelas em que somos tradicionalmente bons - a Matemática é muito boa, temos ótimos físicos teóricos, há muito tempo que temos aqui uma medicina de vanguarda. Agora, não há massa crítica - na maioria dessas áreas, você tem dois ou três grandes nomes e uma massa sem o mesmo brilho desses dois ou três.

Essas pessoas despontam em razão de um empenho puramente particular, ou há alguma estrutura capaz de promovê-las a um nível de excelência?
Em uma ou outra área mais organizada - a Matemática é uma delas -, você tem uma rede de sustentação. Mas, de modo geral, são pessoas que brigam por si mesmas, que saem para a luta sozinhas, sobretudo contra a indiferença das pessoas.

O senhor fala da boa performance da nossa Matemática. O Brasil tem uma respeitada participação na área de exatas, não?
A matemática brasileira é muito boa - mas é um grupo isolado, o grupo do Instituto de Matemática Pura e Aplicada e alguns departamentos subsidiários. Há também alguns pequenos grupos de física que são muito bons. A Biofísica brasileira é outra área com notoriedade internacional. Para ciências mais aplicadas, a engenharia de petróleo do Brasil é maravilhosa - mas avançou quase que no tapa.

São áreas em que o apagão intelectual é ainda somente uma ameaça?
Não. Já é possível sentir seus efeitos. Na última reunião do Conselhão, falei de um físico teórico de 35 anos que no Brasil nunca teve bolsa - esse pesquisador trabalha com fundamentos da mecânica quântica, e está particularmente interessado em coisas que beiram a ficção científica, como por exemplo a discussão teórica sobre a possibilidade da desintegração do corpo humano e sua reintegração. Essa, como outras, é uma questão de ponta. É um físico que publica muito no exterior e tem currículo impecável. Está como professor visitante em Stanford, esperando uma oportunidade para ficar por lá em definitivo. Ele não faz parte dos grupos que citei, então suas chances com relação a financiamento de pesquisas no Brasil são bem menores. Não estou dizendo que tenha peixada nessas escolhas - faz parte do mecanismo que um grupo forte atraia para si uma grande parte do dinheiro. Agora, resta a quem não faz parte desses grupos duas saídas: abandonar a carreira ou ir embora do País.

O senhor falou da tecnologia de extração de petróleo - é um bom exemplo de parceria entre pesquisadores e a Petrobras. Por que não existem mais parcerias entre empresas privadas e universidades?
Digamos que um industrial brasileiro queira fazer uma grande doação para uma universidade, financiar algum tipo de pesquisa, ou mesmo patrocinar alguma cátedra, como é comum nos Estados Unidos. Do ponto de vista legal, não há um mecanismo que possibilite isso em nenhuma universidade pública, nem mesmo na USP, que é mais flexível. Enquanto isso, o orientador do meu doutorado recebeu convite para sair da Universidade de Rochester e assumir uma cátedra em Chicago. A universidade, desejando que ele ficasse, conseguiu o patrocínio da Kodak, que tem sede lá. Criaram então a cátedra George Eastman, homenagem ao fundador da empresa. E assim ele pôde ficar, com a obrigação única de dar um curso avançado a cada semestre - e sobre o tópico que quisesse. No Brasil, não temos uma lei como a Rouanet para ciência e tecnologia, alguma coisa que permita abater no imposto de renda eventuais doações. Valoriza-se a atividade artística, mas não a científica. É sintomático do que escreveu Mário Henrique Simonsen em seu livro Brasil 2001: "é um país de beletristas" .

O senhor arriscaria uma projeção do País para o dia em que aqui não tivermos mais nenhum pesquisador?
Voltaremos a exportar matéria-prima e importar manufaturados.

(*)Repórter do jornal o Estado de S. Paulo. Matéria publicada no caderno Aliás de 11/12/2005.

sábado, dezembro 10, 2005

ACUSAÇÕES NÃO ABALAM A DASLU



O glamour e o movimento da megabutique se mantêm; a dona, Eliana Tranchesi, está triste, mas vai superar, revela uma amiga

Vera Dantas (*)

O som suave de violinos logo na entrada da loja, o sorriso amável e profissional das vendedoras e o vaivém de dezenas de clientes animadas, carregando sacolas para cima e para baixo, mostrava que tudo aparentemente continuava igual, ontem, na Avenida Chedid Jafet, 131, Vila Olímpia, o endereço da megabutique de luxo Daslu. A loja, de 20 mil m2, um palacete de estilo neoclássico, que custou R$ 200 milhões, reúne as grifes mais famosas do mundo. Lá circulam diariamente 1.500 pessoas e ontem a loja estava cheia. "O Natal está perto e há duas semanas os estoques de importados foram renovados", explicava uma vendedora.

Os jornais estampavam com destaque que o Ministério Público Federal pedia 21 anos de prisão para Eliana Tranchesi, dona da loja, por formação de quadrilha, contrabando e falsidade ideológica. Mas a notícia não abalou em nada o clima de glamour do ambiente e muito menos sua rica clientela que estava informada sobre o que acontecia e era solidária a Eliana Tranchesi. A Daslu tem 70 mil clientes cadastrados.

"É claro que ela está muito triste", contava uma delas com intimidade de amiga. "Mas vai superar tudo isto. Nós estamos do seu lado." Outra contava que encontrou Eliana no setor de importados, na grife da Prada, e lamentou. "Como podem fazer isto? Você ajuda, dá emprego para tanta gente. Mas fique tranqüila que vamos tomar champanhe juntas depois, que tudo isto vai passar", garantia com fé.

Eliana, dizia a amiga, agradeceu o apoio e continuou de um lado para outro cumprimentando conhecidas,como num dia de trabalho comum. "Ela tem de tocar a vida. Mas aposto que a perseguição é porque ela é mulher e fez sucesso", comentavam duas amigas num dos cafés da loja. A outra concordava e perguntava por que o governo não persegue quem devasta a Amazônia.Havia quem comentasse que a dona da Daslu deveria estar mesmo envolvida em irregularidades. "Mas aqui no Brasil não pagar imposto é tão comum. No fim sempre se dá um jeitinho."

A maior parte dos funcionários acreditava que tudo se resolveria "bem" , mas havia aqueles que temiam ir para a rua. A Daslu tem uma creche para filhos de funcionários de até 8 anos de idade, e perder o emprego e esse benefício era o maior temor.
O TEMPLO DE CONSUMO EM NÚMEROS
700 mil clientes estão cadastrados na Daslu
1.500 pessoas passsam todos os dias pela loja
R$ 200 milhões foi o total gasto na construção da Daslu



(*) Repórter do jornal O Estado de S. Paulo. Texto publicado na edição de 10/12/2005.

POLÍTICA: OS GOVERNOS DE ESQUERDA NA AMÉRICA LATINA

GALEANO MOSTRA IRRITAÇÃO COM REPETIÇÕES DA ESQUERDA

Denise Mota, de Montevidéu (*)

"Na hora de governar, as coisas não são como pareciam ser. Começa a tentação de confundir realismo com cinismo." O diagnóstico dos caminhos da esquerda latino-americana no poder é do uruguaio Eduardo Galeano, 65, que esteve em novembro no Rio para reabrir o Instituto Cultural Brasil-Uruguai, criado em 1940 e desativado em 64. Galeano é guru dessa corrente política há pelo menos 34 anos - desde que publicou "As Veias Abertas da América Latina". O escritor, "um homem de esquerda", como faz questão de reforçar, não esconde um misto de irritação, inquietude e frustração no que se refere às diretrizes adotadas por administrações alinhadas com sua posição política, mais especificamente as gestões lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva e Tabaré Vázquez, presidente há nove meses do Uruguai.

"Há uma tendência preocupante de governos novos, nascidos das melhores esperanças de mudança, que continuam fazendo o mesmo. Continuamos prisioneiros da idéia de que só podemos repetir a história e que não somos capazes de mudá-la", afirma. "A única função possível das forças progressistas no mundo é a idéia da mudança. O motor é a certeza de que a mudança é possível, esse é o desafio formulado. Se não é para mudar a realidade, se é para repeti-la, é melhor ficar em casa porque as forças tradicionais vão saber fazer isso melhor."

Há cinco décadas (desde o primeiro trabalho no universo editorial, desenhos para o semanário socialista "El Sol", para o qual colaborava aos 14 anos), Galeano visita diversas realidades, embalado pelo empenho em fazer triunfar a esquerda. Trafegou de assembléias de mineiros na Bolívia a encontros de exilados na Suécia, do convívio com Julio Cortázar (1914-84) na Argentina ao retorno ao país natal nos anos 80, com a volta da democracia.

"Continuo achando que só a esquerda é capaz de restabelecer a união perdida entre fins e meios. O fim é o resultado dos meios que se utilizam para consegui-lo, e não algo que possa estar em conflito com os meios empregados, porque o fim são os meios. Então, pode-se dizer: "Isso, que não é legítimo, vai ser legitimado pelo fim último". Não. O fim não justifica os meios, isso é o que não está muito claro", diz. "Como portadores de esperanças populares, o PT, a Frente Ampla [partido de Vázquez] carregam uma responsabilidade lindíssima, mas também pesadíssima. Não podem frustrar essa esperança."

Além da repetição da história, à realidade verificada na região o autor aponta a aparição de outro elemento: a "contradição". "Quando nossos países estavam em mãos de ditaduras militares ou de regimes civis de direita inimigos das mudanças sociais, governando para poucos, sofríamos pela situação nacional, pela dor do povo, mas não vivíamos essa contradição entre o que se espera de governos diferentes, radicalmente diferentes, e o que se faz."

Quanto a outros líderes de esquerda no continente, o escritor considera que "[Hugo] Chávez é um novo demônio". "Existe uma maquinaria internacional militar de poder que, para se sustentar, come carne de diabo, precisa de demônios, se alimenta disso. O novo é Chávez. Antes tinha o Saddam [Hussein], um demônio "long play", como Fidel [Castro], que tem séculos trabalhando de demônio. Já é hora de se aposentar", diz, sarcasticamente voltando suas baterias contra os EUA. "Se você não tem um demônio a oferecer, não pode justificar o fato de que neste mundo sejam despendidos US$ 2,3 milhões por dia em gastos militares. Sempre é necessário existir o medo de alguém, sem medo a máquina universal do poder não funciona", afirma.

(*) Colaboradora da Folha de S. Paulo. Texto publicado na edição de 10/12/2005.

A MEUS COLEGAS MÉDICOS

Drauzio Varella (*)
Enquanto as mulheres com formação universitária têm em média 1,4 filho, as que vivem abaixo da linha de pobreza começam a tê-los na adolescência e não param mais. Existe modelo mais perverso? Nós, médicos, conhecemos de perto essa realidade. Somos testemunhas da falta de anticoncepcionais nos postos do SUS e do calvário que as mães de muitos filhos percorrem na vã esperança de colocar DIU ou laquear as trompas. Somos nós os responsáveis por esse descalabro?

Não, os principais culpados são os governantes que controlam as verbas públicas e definem prioridades e o poder de intimidação que a cúpula da Igreja Católica exerce sobre eles. Quando as autoridades eclesiásticas condenam o uso de qualquer anticoncepcional que não seja a obsoleta "tabelinha", para os políticos é mais prudente esquecer essa história de planejamento familiar, coisa de gente pobre, uma vez que os mais abastados compram pílulas na farmácia, colocam DIU em nossos consultórios, fazem laqueadura e vasectomia nos hospitais particulares. Embora sejam os maiores culpados, justiça seja feita, eles não são os únicos: a sociedade contribui com o silêncio. Parece que ninguém vê a molecada equilibrando bolinha nos faróis, as adolescentes grávidas da periferia, o número de crianças nas favelas. Somos cegos ou avestruzes?

Acabo de fazer uma série para a TV sobre o tema da natalidade, que me obrigou a viajar pelo país, visitar postos de saúde, conversar com colegas, autoridades e com muitas mulheres que dependem dos serviços do SUS. Fiquei horrorizado: nenhuma área da saúde pública é mais desprezada do que a da saúde reprodutiva da mulher! E é nesse ponto que entra a nossa responsabilidade. Há colegas nossos nas linhas de frente que, apesar dos salários baixos e das condições precárias em que trabalham, conduzem programas de distribuição de anticoncepcionais, centros de orientação sexual para adolescentes e fazem o possível para agilizar a burocracia que inviabiliza esterilizações cirúrgicas.

Mas eles são poucos. Infelizmente, a maioria evita o envolvimento com o assunto e, assim, contribui para afunilar o gargalo que dificulta o acesso à contracepção. Vou dar o exemplo da vasectomia e da laqueadura, procedimentos regulamentados pela lei federal 9.263, de janeiro de 1996, que raríssimos colegas conhecem, mas que garante o direito à cirurgia pelo SUS no caso de "homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de 25 anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos...", desde que observados alguns requisitos legais.

Sabemos que, por falta de leitos públicos, entre a internação de uma mulher com um tumor uterino e outra para laqueadura o médico é forçado a escolher a primeira. Evidente que não me refiro a esses casos, mas àqueles em que nossa boa vontade é fator decisivo. Quantas vezes conseguimos resolver problemas dos pacientes nas condições mais adversas graças a nosso empenho pessoal?

A mãe de sete filhos aos 30 anos, que preenche todos os requisitos para a laqueadura e que espera anos sem ser chamada, quando tem a felicidade de ver o médico, muitas vezes ouve que ainda é jovem, que irá se arrepender, que o marido poderá morrer e ela casar com um rapaz sem filhos. A regra é fazer o possível para demovê-la da intenção e não mover uma palha para agilizar a paquidérmica burocracia dos hospitais públicos.Isso, quando não lhe é dito ser proibido fazer laqueadura pelo SUS, argumento que os inescrupulosos utilizam para cobrar o procedimento "por fora".

O desconhecimento generalizado da existência de uma lei federal que trata do planejamento familiar não enobrece nossa profissão. Por lei, todas as brasileiras em idade reprodutiva têm o direito de receber anticoncepcionais de graça pelo SUS. Isso inclui meninas de 11 anos que menstruaram pela primeira vez; mulheres e homens maiores de 25 anos ou com pelo menos dois filhos vivos, que optaram por laqueadura ou vasectomia. A justificativa de que o médico poderá enfrentar processos em caso de arrependimento não procede. Ser processado por acatar a lei? Nesse caso, correriam mais risco as esterilizações livremente realizadas em pacientes particulares, estes sim, com condições financeiras para pagar advogados.

As vozes paralisantes dos esquerdistas de porta de botequim, que interpretam a defesa do acesso universal à contracepção como tentativa de acabar com a pobreza impedindo o nascimento de pobres, bem como as imposições medievais da igreja não podem nos intimidar. Os próprios padres, quando em contato com a miséria de seus paroquianos, só não pregam abertamente a contracepção por impedimentos hierárquicos. Contrária a ela é a cúpula dirigente, há muito apartada de seus rebanhos, a mesma que comete o crime continuado de condenar o uso de camisinha num mundo em que 40 milhões de pessoas carregam o vírus da Aids nas secreções sexuais. Sabedores de que muitos de nossos governantes são os primeiros a burlar as leis, nós, médicos, devemos cobrar deles a aplicação da lei do planejamento familiar. Apesar do aviltamento da profissão, ainda dispomos de algum poder: chefiamos postos de saúde, dirigimos hospitais, ocupamos secretarias municipais e estaduais e cargos importantes no Ministério da Saúde.

Se não esquecermos que a função primordial da medicina é aliviar o sofrimento humano, poderemos dar um exemplo à sociedade ao contribuir, de fato, para assegurar às pessoas mais pobres o direito de planejar o tamanho de suas famílias. Exatamente como fazemos com as nossas.

(*) Artigo escrito originalmente para o caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo de 10/12/2005.

UMA PITADA DE POLÊMICA

por Rosenildo Gomes Ferreira (*)

A opinião do ilustre doutor Drauzio Varella deve ser respeitada. Afinal, ninguém melhor que um médico para colocar o dedo nessa ferida. Contudo, ele não é o único certo nessa história. Fala-se muito da gravidez infanto-juvenil associando esse fato unicamente à falta de acesso aos remédios e à educação. Ocorre, como podemos ver em um exame mais apurado, que na classe média isso também ocorre. A neta do ACM foi mãe precoce, a filha do ministro Gil, idem. Antes que lhe venha à mente a questão financeira (Ah! mas elas têm recursos para criar os filhos com dignidade!") é preciso lembrar que não se pode resumir apenas a "recursos" uma questão tão complexa como a maternidade/paternidade.

Boa parte das meninas pobres ficam grávidas porque vêem na maternidade um instrumento de ascensão social na comunidade onde vivem. Sem perspectiva de futuro --sequestrado pela elite inescrupulosa que mantém nesse pequeno país uma distribuição de renda singular, onde apenas 10% da população detêm 90% da renda -- a gravidez surge como um grito de liberdade. Equivocado, é bem verdade!

Na Inglaterra, onde morei por um período, as jovens pobres e de classe média baixa (brancas ou negras) ficam grávidas para conseguirem a casa própria, doada pela prefeitura local (os councils), ou o aluguel barato e uma renda "vitalícia" (house and benefits)! Nos Estados Unidos, elas ficam grávidas por motivos parecidos e também por descuido ou até para fazer "birra" e "prender" os namorados.

O problema é que temos no Brasil duas populações e dois países. À primeira são garantidos direitos e benefícios dignos de países escandinavos, sem que eles tenham de pagar os impostos correspondentes! À segunda apenas migalhas, indiferença e a função de eternamente carregar o piano para o andar de cima tocar, como diria o jornalista Élio Gaspari. E quando o andar de cima presta muita atenção "nos de baixo" é de se esperar que venha chumbo grosso pela frente. Não sei se é o caso do médico Varella mas é certo que existe (sim!) uma corrente eugenista muito forte no Brasil. Para eles, a única forma de "limpar a paisagem" da pobreza é acabar (fisicamente!) com os pobres. Existiram no passado nesse pequeno país e em outras colônias as nefastas políticas de laqueadura e esterilização forçadas. Para conhecer melhor essas história, recomendo um dedo de prosa com a doutora Jurema Werneck, fundadora e uma das dirigentes da ONG Criola, do Rio de Janeiro. Trata-se de um dos pilares na luta pela cidadania e os direitos de TODAS as mulheres, reconhecida internacionalmente por travar o chamado bom combate..

O endereço é www.criola.org.br.

(*) jornalista e professor-voluntário de Atualidades, Ética e Cidadania do Cursinho Griot - São Remo)

terça-feira, dezembro 06, 2005

UFSCAR, EM SOROCABA, SE FOCA EM "SUSTENTABILIDADE" E UFABC, EM TECNOLOGIA

Fábio Takahashi (*)

As universidades federais estão ganhando espaço em São Paulo -o Estado onde sempre tiveram pouco peso diante da presença da USP, da Unesp e da Unicamp. Mas a idéia não é competir com as três gigantes estaduais. O projeto de expansão tem um rosto definido para cada novo campus e universidade. "A expansão está centrada em três iniciativas: na criação da UFABC (Universidade Federal do ABC), em transformar a Unifesp em uma universidade com todas as áreas do conhecimento e no novo campus da UFSCar, em Sorocaba", disse Manuel Palácios, diretor do Departamento de Desenvolvimento do Ensino Superior do Ministério da Educação.

Na sexta-feira passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou a pedra fundamental do futuro campus da UFABC. A sede será em Santo André, mas ela terá outros campi na região industrial da Grande São Paulo. Próximo a um pólo petroquímico, a instituição surge com especialização em tecnologia. Para começar a funcionar no ano que vem, um prédio provisório para a UFABC vai ser escolhido. "Te-mos três opções e estamos em negociação. A idéia é que o vestibular aconteça em junho e que as aulas comecem em setembro", afirma o reitor Hermano Tavares.
De acordo com os planos para a universidade, ela deverá ter, quando em pleno funcionamento, até 20 mil alunos. A verba alocada para o ano de 2006 é de R$ 54 milhões, com a qual começará a construção do prédio central. Em 2005, a verba para o início da implantação foi de R$ 7 milhões.

Ex-reitor da Unicamp, Tavares não descarta parcerias com as já consolidadas estaduais. "No ensino, vamos ter intensa parceria. Não vamos ficar alheios, porque o sistema paulista é o melhor do país e não vamos ignorar isso."

UFSCAR
A expansão da Federal de São Carlos também está relacionada ao local de implantação. O novo campus de Sorocaba (a 100 km da capital) terá, segundo o pró-reitor de graduação da entidade, Roberto Tomasi, uma temática geral, que é "sustentabilidade".
"O campus vai ter todas as áreas do conhecimento, mas há o enfoque para a preservação ambiental, para a sustentabilidade das atividades econômicas", afirma Tomasi. Lá, serão oferecidos os cursos de engenharia de produção; ciências biológicas (bacharelado e licenciatura) e turismo.

Na região de Sorocaba, existe a Floresta Nacional de Ipanema, com uma reserva de mata atlântica, além do encontro com a vegetação de cerrado, que se estende para o Centro-Oeste. "E ao sul há muita produção agrícola familiar com problemas de preservação". "Pretendemos trabalhar em cooperação com o Ibama nessa floresta, por isso a preferência por biologia e turismo", explica Tomasi. "Já engenharia de produção está voltada para a produção sustentável das indústrias da área", explica.

UNIFESP VAI DIVERSIFICAR SEUS CURSOS

Após 72 anos de especialização em saúde, a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) decidiu avançar em áreas tão distintas como engenharia e filosofia. Os novos cursos de graduação estão previstos para começar no segundo semestre de 2006.
A diversificação das carreiras se complementa ao processo de expansão física da instituição, que terá campi em Guarulhos e Diadema, ambas cidades localizadas na Grande São Paulo. A ampliação do número de unidades começou na Baixada Santista, que iniciará as atividades no primeiro semestre de 2006, mas ainda na área de saúde.
Na última quinta-feira, o conselho de graduação da universidade definiu quais cursos cada nova unidade terá. Cada campus terá uma "vocação", ou seja, carreiras na mesma área. "Isso faz com que os gastos caiam, porque o mesmo docente pode dar aulas para diversos cursos", afirma o pró-reitor de graduação da Unifesp, Luiz Eugênio Mello.
Guarulhos receberá carreiras de humanas (ciências sociais, pedagogia, história e filosofia). O campus de Diadema será voltado para química (farmácia/bioquímica, ciências biológicas, química e engenharia química). Cada uma dessas unidades terá 200 vagas.

A Baixada Santista também receberá cursos fora da área de saúde - serão 240 vagas, distribuídas entre engenharia de pesca, portuária e ambiental. A universidade também está perto de fechar um acordo com a Prefeitura de São José dos Campos (91 km de São Paulo) para abrir um campus na cidade. A intenção é que o primeiro curso seja ciências da computação. Definidos os cursos, agora a universidade busca apoio de outras instituições, como a USP e a UFMG (federal de Minas Gerais) para desenvolver o conteúdo das carreiras. Também será necessário buscar o financiamento do MEC (Ministério da Educação). Caso esse processo sofra atrasos, o começo das aulas nesses novos campi pode ficar para 2007.

A Unifesp decidiu diversificar seus cursos principalmente por dois motivos: a falta de uma universidade federal forte e ramificada em São Paulo e a saturação de cursos na área de saúde no Estado, principalmente o de medicina.

(*) Repórter da Folha de S. Paulo. Matéria publicada no caderno Fovest de 06/12/2005.

FESTA DE FINAL DE ANO DE ALUNOS E PROFESSORES DO CURSINHO GRIOT - SÃO REMO




sexta-feira, dezembro 02, 2005

LIVROS E COMPANHIA



Além de publicações comuns a preços mais baixos, alguns sebos de São Paulo vendem raridades


Fernando Cassaro(*)


ALFARRÁBIO ORNABI:
Desde 1948 no ramo, vende de romances a livros técnicos. Quando o cliente não encontra o título desejado, vai atrás da encomenda. Os preços variam de R$ 1,00 a R$ 10 mil. Abre de segunda a sexta, das 8h30 às 18h e, aos sábados, das 8h30 às 13h. R. Benjamin Constant, 141, Centro, tel.: 3105-6028.

ALTERNATIVA SEBO:
Vende livros, CDs e LPs. Quando o livro é difícil de ser encontrado, faz uma busca em pontos de venda concorrentes. Abre de segunda a sexta, das 8h30 às 19h30 e, aos sábados, das 8h30 às 15h30. R. Líbero Badaró, 100, Centro, tel.: 3107-0774.

BAGDÁ BOOKS: Especializado em livros e revistas, o sebo possui no acervo um pouco de cada assunto. Tem, por exemplo, um dicionário da língua portuguesa, editado em dois volumes, no ano de 1823, em Lisboa, de autoria de Antônio de Moraes e Silva, que sai por R$ 1 mil. Abre de segunda a sexta, das 9h30 às 19h e, aos sábados, das 9h30 às 18h. R. Joaquim Floriano, 943, Itaim Bibi, tel.: 3078-6617.

DISCOMANIA:
Especializado em LPs, também compra, vende e troca DVDs, VHSs e CDs. No acervo, há desde discos da década de 1920 até os mais recentes. Quando o álbum pedido não é encontrado, pode importá-lo dos Estados Unidos. Os preços variam de R$ 0,50 a R$ 3.500,00. Abre de segunda a sexta, das 10h às 19h30 e, aos sábados, das 10 às 17 horas. R. Augusta, 560, Centro, tel.: 3257-2925.

LIVRARIA BRANDÃO: Vende apenas livros, desde os raros até os mais atuais. Trabalha com todos os temas, e os títulos que não são encontrados na loja podem ser encomendados. Uma coleção rara de 15 volumes sobre o café, escrita por Affonso Taunay, custa R$ 1.500,00. Abre de segunda a sexta, das 9 às 19 horas e, aos sábados, das 9 às 17 horas. R. Coronel Xavier de Toledo, 234, Centro, tel.: 3214-3646.

LIVRARIA INDÚSTRIA CULTURAL:
Em 300 metros quadrados, comercializa de tudo, desde aparelhos e móveis antigos até livros raros. Além de vender, também compra de tudo. Caso o cliente não encontre um determinado título, vão atrás da encomenda. Um livro raro sobre o primeiro plano de avenidas de São Paulo, elaborado pela administração de Prestes Maia no fim de 1930 e início de 1940, sai por R$ 5.500,00. Abre de segunda a sexta, das 8 às 19 horas e, aos sábados, das 8 às 19 horas. Viaduto Nove de Julho, 184, Centro, tel.: 3151-2391.

LIVRARIA E SEBO HORIZONTE: Trabalha só com livros, de todos os temas, desde os técnicos até os romances. Compra e vende as publicações, e efetua buscas de títulos não encontrados. Entre as raridades, uma coleção de dez volumes sobre a História da Companhia de Jesus, editada em 1938. Sai por R$ 3 mil. Abre de segunda a sexta, das 9 às 19 horas e, aos sábados, das 9h às 14h30. R. Libero Badaró, 82, Centro, tel.: 3107-7847.

SEBO CASA DAS REVISTAS USADAS - SEBOCRU:
Tem desde livros e histórias em quadrinho a revistas, CDs e DVDs. Faz buscas de títulos difíceis de serem encontrados. Abre de segunda a sexta, das 10 às 19 horas e, aos sábados, das 10 às 15 horas. R. Domingos de Morais, 814, loja 33-A da Galeria Paraíso, Vila Mariana, tel.: 5579-9205.

SEBO MESSIAS:
Um dos mais tradicionais de São Paulo, vende livros, CDs, LPs, DVDs, TVs, rádios e VHSs. É possível encontrar livros sobre qualquer tipo de assunto, de romances a publicações técnicas, dentro de uma faixa variada de preços. Abre de segunda a sexta, das 9 às 19 horas e, aos sábados, das 9 às 17 horas. Pça. Doutor João Mendes Júnior, 140, Centro, tel.: 3104-7111.

SEBO DA MOOCA:
Tem livros, CDs e DVDs. Os romances custam a partir de R$ 1,00. O cliente é avisado quando o título de interesse chega à loja. Abre de segunda a sexta, das 9h30 às 19h30 e, aos sábados, das 9h30 às 18h. R. da Mooca, 2513, Mooca, tels.: 6695-2166 ou 6694-9619.

TREZE LISTRAS:
Especializado em livros. Tem serviço de busca de títulos. Entre as raridades, algumas das primeiras edições de Mario de Andrade, que custam a partir de R$ 300,00. Abre de segunda a sexta, das 9 às 19 horas e, aos sábados, das 9 às 13 horas. R. Aurora, 704, Centro, tel.: 221-0817.

RED STAR:
Vende livros, histórias em quadrinho, LPs, CDs, VHSs e DVDs. O preço dos livros varia de R$ 0,50 a R$ 6 mil. Abre de segunda a sexta, das 9 às 20 horas e, aos sábados, das 9 às 18 horas. R. José Bonifácio, 215, Centro, tel.: 3107-1012.

(*) Repórter do caderno Feminino, do jornal O Estado de S. Paulo. Matéria publicada em 16/10/2005.