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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

quinta-feira, maio 18, 2006

QUANDO A INFÂMIA VENCEU A CIDADANIA

Por Rosenildo Gomes Ferreira (*)

O dia 15 de maio de 2006 ficará para sempre gravado na memória dos paulistanos. Foi nessa data que o medo, a irracionalidade e, por que não dizer, a infâmia venceram a cidadania. Uma série de ataques criminosos combinada com uma onda de boatos formaram o caldo de cultura necessário para acender o pavio do pânico e da covardia. Sentimentos que nos deixam prostrados diante de uma realidade que não queremos (nem devemos!) aceitar e contra a qual nos achamos impotentes e sem forças para lutar. O remédio prescrito para esses casos nos últimos 30 anos tem sido acorrer desesperadamente para a “prisão” de nossos lares. O placar dessa espécie de jogo de retórica e de ações, em boa medida tresloucadas, que vimos desde a sexta-feira anterior, pode ser contabilizado de várias formas. Podemos usar, por exemplo, o número de mortos. Até quarta-feira falou-se em 100 pessoas. Nessa conta estão suspeitos, policiais e gente que certamente estava no lugar errado, na hora errada. Podemos ainda, ilustrar esse placar macabro com a aritmética dos atentados contra ônibus, prédios públicos e agências bancárias: foram 251 ocorrências.

Particularmente, acho que nenhum desses números é, de fato, importante. Quando daqui a 10, 20 ou 30 anos estiver rememorando esses dias com algum parente mais jovem, falarei, isso sim, da fragorosa derrota da cidadania. Da derrota de cada um de nós e especialmente da derrocada do coletivo. Falarei que a sociedade (uma parte por omissão, outra por interesse direto do ganho financeiro ou simplesmente pelo poder, em sua expressão mais canalha e covarde) acreditou que poderia construir um país cujo mote é a desigualdade, a opressão e, em última análise, a vingança.

Como antídoto para ações criminosas, de quaisquer natureza, fala-se em penas mais severas, encarceramento por longos períodos, pena de morte, etc. Fala-se em armar a polícia, comprar carros, bloquear celulares, punir, punir ... Como se a pena de morte e toda sorte de castigo cruel já não fossem componentes indispensáveis do fio que conduz a relação dos poderes constituídos com uma grande parcela da sociedade. Por outro lado, nenhuma palavra, nenhuma citação é feita no sentido de promover direitos, exigir o cumprimento das obrigações e também do estabelecimento da verdadeira Justiça. Não essa que está aí. Que é lenta, tardia e, em grande medida, falha.

Nós, integrantes da classe média e da elite brasileira, que tanto gostamos de citar os Estados Unidos e as sociedades européias mais abonadas, poderíamos também copiar-lhes o modelo de Justiça, que a despeito de algumas imperfeições pune, independentemente da cor do colarinho ou do saldo bancário. Pune na medida certa. Vejamos o caso de Martha Stewart, famosa apresentadora de TV dos EUA. Julgada e condenada por uso de informação privilegiada no mercado financeiro, ela foi encarcerada por cerca de um ano. Apenas para efeito de comparação, algum de vocês, caros leitores, imaginam ver Hebe Camargo ou Ana Maria Braga presa no Carandiru por conta de crime fiscal, por exemplo?

Distribuir Justiça é importante. Mas não o suficiente. Para construir uma sociedade justa de fato é preciso adotar parâmetros mais harmoniosos nos demais “andares do edifício social”. Por que temos de aceitar um serviço público de má qualidade? Por que, nós que pagamos uma carga tributária pesadíssima, achamos normal ter de contratar segurança, previdência, educação e saúde privadas? E por que aceitamos passivamente um Estado que nos tira tudo e dá tão pouco de volta?

Não são, sem dúvida, questões simples de serem respondidas. Nem também fáceis de serem equacionadas. Contudo, é preciso que estabeleçamos primeiro os parâmetros da sociedade que queremos construir daqui para a frente. Olhar para o retrovisor ajuda. Principalmente na hora de “mudar de faixa”. Mas, fixar os olhos no passado da “vingança estúpida”, como preconizam muitas cabeças coroadas e também pessoas comuns, poderá nos conduzir com maior rapidez ao mais derradeiro dos desastres: à vitória total e absoluta da infâmia!

(*)Repórter da revista IstoÉ DINHEIRO, professor-voluntário de Atualidades, Ética e Cidadania do Cursinho Griot e articulista-volutário da revista Afirmativa Plural, editada pela ONG Afrobras e a Universidade Zumbi dos Palmares