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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

sábado, dezembro 10, 2005

POLÍTICA: OS GOVERNOS DE ESQUERDA NA AMÉRICA LATINA

GALEANO MOSTRA IRRITAÇÃO COM REPETIÇÕES DA ESQUERDA

Denise Mota, de Montevidéu (*)

"Na hora de governar, as coisas não são como pareciam ser. Começa a tentação de confundir realismo com cinismo." O diagnóstico dos caminhos da esquerda latino-americana no poder é do uruguaio Eduardo Galeano, 65, que esteve em novembro no Rio para reabrir o Instituto Cultural Brasil-Uruguai, criado em 1940 e desativado em 64. Galeano é guru dessa corrente política há pelo menos 34 anos - desde que publicou "As Veias Abertas da América Latina". O escritor, "um homem de esquerda", como faz questão de reforçar, não esconde um misto de irritação, inquietude e frustração no que se refere às diretrizes adotadas por administrações alinhadas com sua posição política, mais especificamente as gestões lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva e Tabaré Vázquez, presidente há nove meses do Uruguai.

"Há uma tendência preocupante de governos novos, nascidos das melhores esperanças de mudança, que continuam fazendo o mesmo. Continuamos prisioneiros da idéia de que só podemos repetir a história e que não somos capazes de mudá-la", afirma. "A única função possível das forças progressistas no mundo é a idéia da mudança. O motor é a certeza de que a mudança é possível, esse é o desafio formulado. Se não é para mudar a realidade, se é para repeti-la, é melhor ficar em casa porque as forças tradicionais vão saber fazer isso melhor."

Há cinco décadas (desde o primeiro trabalho no universo editorial, desenhos para o semanário socialista "El Sol", para o qual colaborava aos 14 anos), Galeano visita diversas realidades, embalado pelo empenho em fazer triunfar a esquerda. Trafegou de assembléias de mineiros na Bolívia a encontros de exilados na Suécia, do convívio com Julio Cortázar (1914-84) na Argentina ao retorno ao país natal nos anos 80, com a volta da democracia.

"Continuo achando que só a esquerda é capaz de restabelecer a união perdida entre fins e meios. O fim é o resultado dos meios que se utilizam para consegui-lo, e não algo que possa estar em conflito com os meios empregados, porque o fim são os meios. Então, pode-se dizer: "Isso, que não é legítimo, vai ser legitimado pelo fim último". Não. O fim não justifica os meios, isso é o que não está muito claro", diz. "Como portadores de esperanças populares, o PT, a Frente Ampla [partido de Vázquez] carregam uma responsabilidade lindíssima, mas também pesadíssima. Não podem frustrar essa esperança."

Além da repetição da história, à realidade verificada na região o autor aponta a aparição de outro elemento: a "contradição". "Quando nossos países estavam em mãos de ditaduras militares ou de regimes civis de direita inimigos das mudanças sociais, governando para poucos, sofríamos pela situação nacional, pela dor do povo, mas não vivíamos essa contradição entre o que se espera de governos diferentes, radicalmente diferentes, e o que se faz."

Quanto a outros líderes de esquerda no continente, o escritor considera que "[Hugo] Chávez é um novo demônio". "Existe uma maquinaria internacional militar de poder que, para se sustentar, come carne de diabo, precisa de demônios, se alimenta disso. O novo é Chávez. Antes tinha o Saddam [Hussein], um demônio "long play", como Fidel [Castro], que tem séculos trabalhando de demônio. Já é hora de se aposentar", diz, sarcasticamente voltando suas baterias contra os EUA. "Se você não tem um demônio a oferecer, não pode justificar o fato de que neste mundo sejam despendidos US$ 2,3 milhões por dia em gastos militares. Sempre é necessário existir o medo de alguém, sem medo a máquina universal do poder não funciona", afirma.

(*) Colaboradora da Folha de S. Paulo. Texto publicado na edição de 10/12/2005.