.comment-link {margin-left:.6em;}

Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

quinta-feira, dezembro 22, 2005

COMPORTAMENTO

Encarar a virada do ano com mais simplicidade diminui o estresse -que aumenta até 75% neste período


Iara Biderman (*)

Faltam dois dias para a ceia de Natal, nove para o Réveillon. Na correria da reta final, o estresse é tanto que parece que não é o ano que vai acabar, e sim o mundo. O que muita gente não percebe é que tudo poderia ser bem mais simples se não estivesse vivendo nesse clima de urgência e alimentando expectativas vagas -dos presentes que vai dar e ganhar às promessas de Ano Novo- há mais de um mês. Exatamente, desde 15 de novembro. A data foi definida na mais recente pesquisa da Isma-BR (International Stress Management Association, Brasil), uma associação sem fins lucrativos que estuda o estresse e suas formas de prevenção. Que a tensão aumenta quando o fim do ano se aproxima é fácil perceber. O que a pesquisa fez foi quantificar isso: em média, o nível de estresse aumentou 75% na população entrevistada -678 pessoas (homens e mulheres) de 25 a 55 anos e economicamente ativas. A novidade foi localizar, nas páginas do calendário, quando isso começa e, o melhor, quando acaba: dia 7 de janeiro.

Não é pouca coisa saber que o desconforto emocional tem data para acabar -e é logo. Para o psiquiatra Tito Paes de Barros Neto, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, se há um aumento da ansiedade nesta época (segundo a pesquisa do Isma, 70% das pessoas se sentem mais ansiosas e 55% usam mais medicamentos para o sintoma), o primeiro recurso para controlar isso é saber que é só uma fase, vai passar.

ANSIEDADE SAZONAL
De acordo com Barros Neto, algumas pessoas estão em uma categoria fronteiriça da ansiedade: não vivem necessariamente a patologia, mas, ocasionalmente (em épocas como o fim de ano), um sofrimento leve, que pode ser tratado de formas menos invasivas: "massagens, ioga, técnicas de relaxamento ou meditação", sugere. Mas, se a ansiedade se exacerbar a ponto de atrapalhar a vida, o psiquiatra recomenda que a pessoa procure ajuda especializada. Mesmo que seja só um problema sazonal, ele não tem nada contra o uso de medicamentos, com acompanhamento e por um período determinado -só naquele em que a coisa aperta.

Depois, é viver."Um pouco de ansiedade todo mundo tem, basta estar vivo", diz. Para José Roberto Leite, coordenador da unidade de medicina comportamental da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), uma forma de simplificar as coisas é entender que, neste período do ano, há um padrão cultural que leva as pessoas a interpretar qualquer apelo de consumo, atividade ou programa como uma exigência. Nem todas podem ser cumpridas, mas a antecipação dessas "exigências" é a grande desencadeadora do estresse.

"É preciso questionar esses pensamentos disfuncionais, a idéia do "tenho de" -comprar, servir, fazer. Por que sou obrigado a adquirir um monte de cacarecos para toda a família? É preciso colocar as coisas nos devidos lugares, resgatar os verdadeiros valores. Se é Natal, vamos enfatizar o fato de estarmos juntos, não é preciso mais nada", afirma. O ator e empreendedor social Wellington Nogueira, 45, põe isso em prática há dois anos. "Na minha casa, dia de Natal só tem presente para as crianças. Os adultos têm de trazer um pensamento, uma música, uma poesia para presentear os outros. Quando as pessoas se conectam, a mágica acontece: todos relaxam, ficam felizes. Hoje, desejar algo de bom para alguém já é um feito."

VIVER O PRESENTE
Simplificar o Natal faz parte de um projeto maior de Nogueira: conseguir resolver as coisas com a simplicidade de uma criança. Ele conta que está aprendendo isso com o filho Theo, 6. Coordenador do grupo Doutores da Alegria, que visita crianças em hospitais, Nogueira passou este semestre com uma agenda excepcionalmente cheia, mas teve de encontrar meios de passar mais tempo com o filho. "Resolvi mudar minha vida. Como? Simplesmente abdicando de um monte de coisas. E vi que, apesar da minha ausência, elas aconteceram, ninguém morreu." A receita do doutor da alegria é viver o aqui e agora: "Aprendi a entender, a respeitar e a viver o bendito do presente. É a única certeza que temos. Depois, "adiós" moçada".

Para alcançar isso, ele acredita que bastam medidas simples: "A gente tem um poder incrível de apertar um botão e desligar o celular", diz. É assim que ele consegue preservar o seu tempo e, afirma, sua sanidade. Mas os caminhos para simplificar a vida são muitos, e o que funciona para alguns não serve para outros. A consultora de moda Christiane Francini, 36, faz exatamente o contrário de Wellington Nogueira. "Fico com o celular ligado o tempo todo. Para mim, não é estresse: saber que posso ser encontrada a qualquer momento me deixa mais tranqüila", afirma. Como consultora de moda, Francini ajuda os outros a simplificar coisas da vida como montar um guarda-roupa ou fazer uma mala. A idéia é selecionar e planejar. O mesmo conceito usado para tirar o excesso de peso de uma mala de viagens é usado para simplificar o dia-a-dia. Ela diz que tudo já está previamente planejado. "Não vivo sem minha agenda. E é nessa agenda que deixo espaços em branco -são os momentos que terei para mim, garantidos." O segredo para conseguir realizar o planejado é, para Christiane, organizar o curto prazo: "Não consigo planejar o que vou fazer daqui a quatro semanas. Organizo minha agenda a cada dois dias", conta.

PROMESSAS SIMPLIFICADAS
O que Christiane descobriu na prática, o consultor em comportamento organizacional Abraham Shapiro constatou entrevistando cerca de 500 pessoas que procuraram sua consultoria. Durante o ano de 2005, Shapiro perguntou aos seus clientes o que aconteceu com as promessas ou metas que se propuseram no início do ano. "O que fizeram foi estabelecer metas para o ano inteiro, um prazo muito longo. Em março ou abril, já haviam desistido delas", relata.

Shapiro acredita que planejamento é essencial para simplificar o caminho para a realização de metas pessoais. "E a forma de simplificar é fatiar essas metas em etapas. Vou realizá-las passo a passo. Em vez de ficar pensando em todas as etapas do processo, concentro-me no primeiro passo, algo mais fácil de se tornar realidade. Assim, alimento meu sistema de motivação interior e tenho mais forças para cumprir a próxima etapa. O segredo é pensar no curto prazo e saber que esse é a fração que compõe o longo prazo", explica o consultor.

DESEJOS REALISTAS
Decompor objetivos de vida em etapas também ajuda a ter uma visão mais realista do que se quer e controlar as expectativas, um grande passo para evitar o estresse, segundo Ana Maria Rossi, presidente do Isma-BR. É o que o chef Luciano Boseggia, "35 anos de panela", idade não revelada, tenta fazer nesse momento de sua vida. "Já tive tanto sonho frustrado... agora estou tentando andar mais com a realidade", conta. Depois de passar por alguns dos restaurantes mais luxuosos de São Paulo, ele adotou um conceito mais descontraído, mais próximo ao cliente de restaurante. "Em italiano, "osteria" é isso, algo mais familiar, mais relax", explica. No comando da Osteria Don Boseggia, o chef conta que tem tempo de tomar uma grappa com o cliente e de curtir coisas mais simples que lhe dão prazer. Em dezembro, um mês de muito trabalho em sua área, não está tendo tanto tempo assim. Enquanto prepara as ceias dos outros, nem sabe o que vai cozinhar para o Natal da família. "Vou abrir a geladeira, ver o que tem e fazer a ceia com isso", relaxa. É simples assim.

(*) Texto escrito para o caderno Equilíbrio do jornal Folha de S. Paulo, de 22/12/2005