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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

terça-feira, janeiro 03, 2006



EDUCAÇÃO: Diploma com validade em dois países

Já é possível em muitas universidades cursar parte da graduação no exterior e ter certificado das duas instituições


Renata Cafardo (*)

O que era exceção no ensino superior brasileiro há menos de cinco anos o mundo globalizado está fazendo virar exigência. Universidades públicas - e poucas particulares - passaram a oferecer o chamado duplo diploma. Uma parte dos estudos é feita no Brasil e a outra, no exterior, quase sempre numa instituição francesa. O diploma de graduação é assinado pelas duas universidades e vale tanto lá quanto cá.
Os convênios são fechados entre cursos de uma mesma área dos dois países. E prevê troca de estudantes - brasileiros podem estudar no exterior e vice-versa. Mas a proporção de quem vai e quem vem ainda é desequilibrada. Na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), a pioneira na internacionalização, 300 alunos já fizeram parte do curso de Engenharia fora. Os programas existem desde 2001 e, desde então, somente 80 estrangeiros vieram para o País.

"Estamos cada vez mais atraindo alunos de escolas estrangeiras porque vêem os resultados dos nossos alunos lá", diz o presidente da Comissão de Relações Internacionais da Poli e membro da Comissão de Cooperação Internacional da USP, Adnei Melges de Andrade. Ele lembra que os primeiros convênios na Poli ocorreram por iniciativa dos franceses. Hoje, há parcerias com a École Polytechnique e a Écoles Centrales, entre outras.

A mais recente parceria na USP foi fechada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, e a francesa Pari-tech. É o primeiro duplo diploma no País em Engenharia Agrícola e começa neste ano. São cinco vagas para cada lado e só alunos que já completaram o 3º ano podem se inscrever. Assim como nas outras instituições que têm duplo diploma, boas notas e um plano de estudo no exterior qualificam o candidato. "Na França, a agricultura familiar tem alta tecnologia. O Brasil tem culturas tropicais em larga escala. É uma troca de experiência importante", diz a coordenadora do convênio na Esalq, Maria Lucia Vieira.

O duplo diploma também é realidade na Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade (FEA) que já oferece até disciplinas optativas em inglês para atrair alunos estrangeiros. "A internacionalização deu um pulo de qualidade na nossa formação", diz a diretora Maria Teresa Fleury. Nas eleições para a reitoria da USP, em 2005, o tema foi um dos mais defendidos pelos candidatos. E a nova reitora, Suely Vilela, quer uma política para incentivar os duplos diplomas.

CAMINHO SEM VOLTA
"A internacionalização é um caminho sem volta e, quanto mais, melhor. Ela desparocaliza a visão de mundo e melhora as chances no mercado de trabalho", diz o presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional da Educação (CNE), Edson Nunes. Os duplos diplomas podem ser oferecidos livremente pelas universidades brasileiras, sem autorização prévia do Ministério da Educação (MEC).

Mas, para Nunes , a estrutura do ensino superior no País dificulta o intercâmbio entre estudantes. "Nossos currículos são engessados em uma formação muito profissional, o que não ocorre em muitos países." Ele explica que nosso modelo é parecido com o de Portugal e o da França, país que tem o maior número de convênios com o Brasil. São hoje dez duplos diplomas franco-brasileiros, a maioria nas áreas de Engenharia e Administração.

O casamento entre os dois países na educação é antigo. Um exemplo foi a vinda de professores franceses para a criação das primeiras universidades do País - a USP teve essa ajuda em 1934. "O aluno francês nas escolas brasileiras tem acesso ao duplo diploma e à dupla cultura", diz Pierre Fayard, presidente do Centro Franco Brasileiro de Documentação Técnico e Científica, ligado ao consulado da França.

TENDÊNCIA EUROPÉIA
O Brasil acompanha hoje uma tendência de internacionalização na educação que começou na Europa, em 1999, com a assinatura do Acordo de Bolonha (ver texto ao lado). Universidades passaram a unificar seus currículos e facilitar o intercâmbio de alunos. A Fundação Getulio Vargas (FGV) vai também se adaptar ao Acordo de Bolonha. Fechou recentemente um convênio de duplo diploma com a HEC, em Paris, uma das grandes instituições de ensino de negócios no mundo. O diferencial é que as duas passarão a oferecer neste ano o que se pode chamar de quádruplo diploma. De acordo com o que pedem os novos currículos europeus na área, os alunos entrarão na faculdade e, com cinco anos de curso, sairão com diplomas de graduação e de mestrado.

"Só o bacharelado nessa área na Europa não serve mais para nada", explica a coordenadora de Relações Internacionais da FGV, Ligia Maura Costa. Os brasileiros farão um ano e meio na HEC e o restante na FGV - o valor da mensalidade será o mesmo. "O aluno poderá trabalhar em qualquer lugar do mundo."

Bruno Oliveira Amorim, de 19 anos, está no 2º ano de Engenharia Mecânica e já entrou na Poli em busca do duplo diploma. Começou a estudar francês, se empenhou para tirar notas altas e participou de atividades extra-curriculares, porque sabia que contariam pontos na seleção. Foi escolhido em 2005 e embarca para a França em julho. "Um diploma francês vai me ajudar bastante", acredita. Bruno ainda não sabe como financiará a viagem - não precisa pagar o curso, mas calcula que gastará cerca de 600 por mês.

Uma das poucas possibilidades de bolsas para brasileiros na França é oferecida pela Capes, mas em número limitado. Bruno agora procura apoio de empresas. Camila Garcia, de 23 anos, custeou suas despesas na França, onde estudou em 2004. Ela conta que cursou disciplinas que não havia em seu curso de Administração da FEA. "Tive uma formação complementar." Camila receberá em breve um duplo diploma e, para isso, teve também seu trabalho de conclusão de curso orientando por professores da FEA e da Euromed.

Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os acordos incluem bolsa de 1.100. A procura pelo duplo diploma cresce a cada ano e para 2006 já há mais de 100 inscritos. A internacionalização das instituições começou com programas de intercâmbio. Por meio de convênios, os alunos podiam passar de seis meses a um ano em universidades fora e os créditos podem ser descontados do currículo aqui. Os intercâmbios continuam mesmo depois da adoção do duplo diploma.

"Os cursos aqui têm o mesmo nível dos que fiz na Alemanha", diz o alemão Nicolai Pruesmann, de 26 anos, que estuda na Universidade Técnica de Berlim e, desde agosto, também na FEA. Ele acredita que estudar no Brasil pode ajudá-lo a trabalhar em empresas alemãs que têm filiais aqui.

ANHEMBI TERÁ 100 VAGAS EM 2006
A Universidade Anhembi Morumbi poderá ser umas das grandes universidades privadas a oferecer cursos de duplo diploma no País neste ano, graças à compra de 51% da instituição pela Rede Internacional de Universidades Laureate. O grupo tem 20 universidades em 15 países e alunos da Anhembi poderão cursar parte do curso em uma delas. "A idéia é já poder abrir 100 vagas a partir de agosto para duplo diploma", diz o vice-reitor da instituição, Maurício Garcia. A instituição deve ter também convênios para intercâmbios, em que o aluno passa um semestre fora e aproveita os créditos no curso do Brasil. Outra opção é o licenciamento da marca, ou seja, abrir uma espécie de filial da universidade estrangeira no País. "Poderíamos oferecer aqui exatamente o mesmo curso que a Les Roches oferece na Suíça", explica, mencionando uma importante escola de gastronomia nos Alpes Suíços, do grupo Laureate.

A compra da universidade foi o primeiro grande negócio de investimento estrangeiro na educação superior brasileira. Hoje, não há limites legais para compras. O Ministério da Educação (MEC) tenta mudar esse cenário com a Reforma Universitária. Se o projeto for aprovado, será limitado em 30% o controle estrangeiro de instituições no País.

Na EUROPA, CURRÍCULOS UNIFICADOS EM 45 PAÍSES

GENEBRA - A Europa quer harmonizar o sistema universitário de 45 países até 2010, criando o que já está sendo chamado de o maior campus universitário do mundo. Haverá amplas possibilidades para que estudantes e professores mudem de país com quase a mesma facilidade que trocam de salas de aula em uma faculdade. O objetivo foi traçado em 1998 e estabelece um acordo para tornar semelhantes os programas, os sistemas de créditos e os diplomas de todo o continente europeu, até o fim da década. Os primeiros países a tomar essa decisão foram França, Itália, Reino Unido e Alemanha, que começaram a implementar o reconhecimento dos diplomas. Em 1999, a iniciativa foi acolhida pelos demais países no que ficou conhecido como Acordo de Bolonha. Hoje, a iniciativa já inclui até países que não fazem parte da União Européia, como Suíça, Rússia e Albânia.

O processo se tornou prioridade na Europa nos últimos anos, por causa da concorrência cada vez maior de universidades americanas e asiáticas. Os europeus querem que cada país possa se beneficiar ao máximo do que seus vizinhos produzem.

A União Européia admitiu recentemente que estava ficando para trás quando se fala em qualidade de ensino. A própria Comissão Européia alerta que, das 50 melhores universidades do mundo, apenas cinco estão hoje na Europa. E apenas 21% da força de trabalho no continente tem diploma universitário. Nos Estados Unidos, a taxa é de 38%, no Canadá, 43%, e no Japão, 36%.

Enquanto o novo processo não é finalizado, milhares de europeus já se beneficiam todos os anos dos acordos entre os países e é raro um universitário que não tenha passado alguns meses em outro país da região. Para analistas, isso está criando uma nova geração de europeus, acostumados a viajar e fluentes em mais de um idioma.

QUALIDADE
Quase todos os obstáculos para que estudantes e professores circulem pela Europa já foram retirados e as universidades agora precisam cumprir exigências mínimas de qualidade para poder entrar no processo. A harmonização do sistema não se limita ao reconhecimento de diplomas, mas também de créditos cursados em uma universidade em outro país.

Uma das preocupações passou a ser a qualidade do ensino. Estuda-se a adoção de uma marca para os cursos. Os primeiros devem ser Engenharia e Química e a universidade que cumprir as exigências ganhará uma espécie de selo de qualidade, reconhecido nos 45 países.

(*) Repórter do jornal O Estado de S. Paulo. Matéria publicada na edição de 01/01/06.