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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

quarta-feira, outubro 12, 2005

VESTIBULAR: PROVA DE HABILIDADES TESTA TALENTO

Candidatos a cursos como arquetetura, dança e música precisam passar por exame específico


Renata Baptista (*)

A imagem de uma pessoa com aptidão para as artes muitas vezes é associada à de alguém que não gosta tanto de estudar. Essa impressão, no entanto, é deixada de lado na hora do vestibular: candidatos interessados em artes plásticas, cênicas, arquitetura, design, dança e música, entre outros, são submetidos a uma prova de habilidades específicas -além do exame tradicional, no qual é cobrado o conteúdo ministrado no ensino médio.
Nas instituições em que são solicitadas, essas provas têm como objetivo avaliar a aptidão dos alunos para cursarem algumas das disciplinas práticas do curso. Trata-se de desenho para alunos de artes plásticas, arquitetura, desenho industrial e design, execução de instrumentos musicais nas graduações da área de música, técnica e criatividade para dança e interpretação para artes cênicas.
Para que o conteúdo exigido esteja de acordo com o que vai ser abordado durante a graduação, as provas são elaboradas e aplicadas por professores dos próprios departamentos.
Segundo o coordenador do curso de artes plásticas da USP, Marco Giannotti, o fato de a maioria dos candidatos ter cerca de 17 anos é levado em consideração na hora da elaboração da prova. Mesmo assim, de acordo com ele, o futuro aluno "deve mostrar inteligência no olhar e capacidade de se expressar". "Na universidade, tudo é desenvolvido, mas é preciso ter aptidão", diz.
De acordo com a coordenadora de arquitetura do campus Bauru da Unesp, Emília Pires, apesar de alguns alunos do curso discordarem da necessidade dos exames, ela os considera essenciais.
"Os alunos acham que, pela entrada do computador na vida acadêmica e profissional, a prova não faz sentido. Mas quem sabe desenhar tem uma sensibilidade criativa muito maior, muito mais explorada. O desenho não é um instrumento mecânico", diz Emília. Ela explica que, durante o curso de graduação, há muitas disciplinas que dependem do desenho.
"Observamos em uma das provas de aptidão a capacidade do candidato de avaliar proporções, luminosidade, textura e enquadramento de um objeto na folha, entre outros aspectos. Em outro exame, avaliamos a sua criatividade", explica Emília.
Para o coordenador do bacharelado em artes visuais da Unesp, Pelópidas Cypriano, a prova de habilidade específica também é uma oportunidade para triar alunos interessados e talentosos daqueles que ainda estão indecisos. "Não queremos pegar aqueles "pára-quedistas" que, por não saber o que fazer, optam por artes. Procuramos quem já sabe do que aquilo se trata."
O coordenador de graduação do departamento de música da Unicamp, Carlos Fiorini, concorda com Cypriano. "Quem só fez umas aulinhas de violão dificilmente conseguirá ser aprovado nos testes, pois é necessário um estudo bem embasado de música e treinamento auditivo", explica.

"O trabalho da universidade, nesse caso, é o de aperfeiçoamento e de complemento", explica o coordenador da prova de aptidão do curso de música da USP, Edelton Gloeden.

Conhecimento
Mesmo tendo consciência de que as provas de aptidão têm um peso grande na nota final do vestibular, os candidatos não devem encará-las como um "bicho-papão". Como o conteúdo delas está ligado à preferência do candidato, os vestibulandos devem tomar isso a seu favor na preparação.
Para ser bem-sucedido na prova, o ideal é buscar o máximo de informações. Uma boa dica é resolver avaliações anteriores, que são disponibilizadas nos sites das instituições, e ler com atenção as instruções e o conteúdo programático de cada exame, que estão nos manuais.
"Observar as provas que foram aplicadas nos últimos anos dá uma boa referência do que se espera do candidato na avaliação", explica o coordenador do curso superior de audiovisual da USP, Fernando Scavoni.

Para coordenadores, experiência anterior é essencial em exame

Experiência é essencial para a execução das provas de aptidão. Isso é uma voz comum entre os coordenadores dos cursos ligados à arte. Como lembra Fernando Scavoni, do curso superior do audiovisual da USP, "talento é 10% inspiração e 90% transpiração".
Para ter um bom rendimento no exame, muitos candidatos recorrem a cursinhos preparatórios, como o de linguagem arquitetônica. Apesar de ser voltado para futuros alunos de arquitetura, o curso também é indicado para candidatos de artes plásticas, educação artística, design ou desenho industrial.
É o caso de Valéria Fernandes, 18, que para tentar conseguir uma vaga no curso de arquitetura está, desde o início deste semestre, investindo nas aulas. "Acho que vale a pena, pois vai ser um diferencial na hora da prova e será útil para quando entrarmos na faculdade", diz a estudante.
Para o coordenador da prova de aptidão em música da USP, Edelton Gloeden, a necessidade do candidato ter que buscar conhecimento em cursos antes de entrar na universidade mostra a deficiência das escolas de base brasileiras em relação à arte.
"Nossas escolas não ensinam arte, e o Brasil está perdendo muitos talentos por isso, pois não dá chance nem para as pessoas começarem." (RB)

PRÁTICA EXIGE DISCIPLINA ALÉM DA AULA

SIMONE HARNIK (*)

Quem pensa que vida de artista é cheia de inspiração e beleza não está completamente enganado, mas é preciso ver o outro lado da profissão: as longas horas dedicadas ao estudo, os calos nos pés dos bailarinos, o leva-e-traz de instrumentos nos ensaios e nas apresentações, o peso das telas, o custo do material para a produção de filmes.
No mundo da música, se ilude quem acredita apenas no talento. A permanência na faculdade de quem quer se tornar um maestro é igual à de um médico: seis anos. "A faculdade amplia muito a visão.Ensina a pensar coisas que na escola de música você não aprende", diz Otávio Simões, aluno do curso de regência da USP. "O curso aborda bastante a parte de filosofia, a ligação da música com outras artes."
Desde os oito anos, Otávio tem contato com a música pelos vinis do avô. Nessa época, começou a dizer que ia dirigir uma orquestra. E, de repente, o que era brincadeira ficou sério. Aos 12 ingressou no curso de piano, aos 15 já era regente-assistente de um coro e agora, prestes a se formar, é regente-assistente da Ocam (Orquestra de Câmara) da USP.
Nos dois primeiros anos do curso, as matérias teóricas são comuns a todos os alunos. Depois, começam matérias específicas de cada modalidade. "O terceiro e o quarto são os anos mais puxados para quem quer regência. Exigem muito tempo de estudo", diz.
Mesmo ainda no primeiro ano da graduação, Hellen Mizael, 19, já dedica cinco horas do dia aos estudos, além do período que permanece na faculdade e na Ocam. Ela toca viola clássica. "Comecei aos 13 anos e não levava tão a sério. Com 16, passei a estudar para valer", afirma.
Ela enfatiza o valor da perseverança e da disciplina na carreira para alcançar uma boa posição profissional. "São muitas horas trancada sozinha no quarto para praticar", diz. "Muito músico até se acostuma a estudar longas horas no banheiro de casa, porque a acústica é melhor", brinca.
"Ser artista não é para qualquer um. É muito difícil porque tem de convencer o público do que está fazendo. Tem de emocionar o público e, para emocionar, é preciso se emocionar primeiro", afirma.
Em busca de sucesso com a dança, Juliana de Oliveira Jacinto, 22, ingressou na graduação da Unicamp. Ela também manteve contato com a arte desde cedo. "Quando era pequena, tinha grupo de dança. Fiz dez anos de clássico e soube dentro da academia que existia o curso."
Ela recomenda a faculdade pelo aumento da consciência corporal a que os estudos teóricos levam. "Na academia, você tem o exercício pelo exercício. Na faculdade também se trabalha a história da dança. Na Unicamp, a ênfase é o contemporâneo e as danças populares brasileiras."
Em Campinas, o curso é integral. A parte da manhã é destinada, principalmente, à prática e o período da tarde, às disciplinas teóricas. Para se tornar um bailarino graduado, os estudantes têm de passar por aulas de anatomia e de biologia.
Para ela, a dança é comunicação. "Para comunicar é preciso saber quem é você, sua origem. O curso ajuda nessa percepção."

Faculdade de cinema pesa no bolso

No mundo do cinema, as luzes e o glamour têm um preço que chega a ser alto. Os estudantes acabam tendo de desembolsar dinheiro do próprio bolso a cada produção. Sem contar que o curso de audiovisual costuma ser em período integral e os alunos não têm como trabalhar nos primeiros semestres.
Issis Valenzuela, 21, é uma das que querem superar as dificuldades e viver da chamada sétima arte.
O primeiro passo foi ingressar no curso de audiovisual da USP. "Entrei em 2002 na faculdade, porque eu sempre gostei de cinema, de inventar histórias. Pretendo fazer direção, mesmo sabendo que é o mais difícil", diz.
Ela afirma que é difícil ser contratado como diretor. Até chegar a essa condição, o profissional tem de produzir muitos filmes, participar de festivais, se expor, até conseguir algum reconhecimento. O meio é relativamente fechado para os iniciantes.
"Enquanto a pessoa não consegue ser diretor, os salários não são tão bons. Ela acaba encontrando mais serviço na parte de produção de filmes ou de televisão", diz.
Ela conta que, na ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP, os alunos conseguem equipamentos de graça e ainda recebem uma verba para a realização dos curtas e longas. "Mesmo assim, a gente ainda precisa tirar do próprio bolso", afirma.

"É preciso conhecimento técnico"
Com o objetivo bem definido, Maria Luisa Stock, 20, ingressou no curso de artes plásticas da Unesp e, no ano seguinte, no de arquitetura do Mackenzie. "A minha intenção é trabalhar com cenografia e curadoria. Uma formação acaba complementando a outra", afirma a estudante. "Sempre achei que a formação como artista plástica seria um diferencial na formação de arquiteta."
Das aulas, ela aponta que tanto um curso quanto o outro não são apenas arte: as técnicas são parte importante da formação de quem quer se tornar um artista profissional e levar a carreira adiante.
"As pessoas têm tendência de associar arte com subjetividade, inspiração. Mas é preciso ter o conhecimento técnico de materiais, por exemplo. Muita gente não termina projetos por não saber uma maneira diferente de fazer o que pretendia", conta.
Na sua visão, o que diferencia um curso do outro é que a arquitetura tem uma função vinculada a ela. "A finalidade mais primordial da arquitetura é o abrigo. O arquiteto tem muita responsabilidade, porque vai lidar com estruturas que as pessoas usam", diz.
Já na faculdade de artes plásticas, Maria Luisa nota muita liberdade para seguir interesses pessoais e desenvolver projetos. "Agora, estou trabalhando com xilogravura, que é fazer gravuras com madeira, e com escultura de terracota [argila]."

(*)Repórteres da equipe do caderno Fovest, do jornal Folha de S. Paulo. Material publicado na edição de 11/10/2005.