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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

sexta-feira, outubro 07, 2005

BELEZA É FUNDAMENTAL

O Brasil é impiedoso com a feiúra, que aqui é sinal de desleixo

Por VIOLETA MARIEN (*)

Não tem mais escapatória. Os avanços da medicina e da indústria de cosméticos jogaram a última pá de cal sobre a feiúra. Neste início de século XXI, apesar do políticamente correto reinar absoluto, os feios estão sendo assumidamente colocados de lado. De tal forma isso tornou-se um fato que, nas universidades, estudiosos fazem teses sobre o assunto. A feiúra agora é praticamente uma questão de ordem moral. De posse de todos os recursos para se fazer belo, não se tolera mais que o ser humano se apresente feio aos olhos do outro. Foi com uma pesquisa que comprova essa tese que a psicóloga Joana de Vilhena Novaes obteve seu doutorado na PUC-Rio.

Para a sociedade, diz ela, o feio é um transgressor. Se existem recursos para se obter a beleza,o feio, ao se apresentar assim,mostra que não destina nem tempo e nem dinheiro à sua imagem. E, o que é pior, dá à sua imagem um atestado de menos valia que aumentará a sua rejeição.

Historicamente, cada época teve o seu padrão exclusivo de beleza.Isso não é novidade.O que é novo, está acontecendo neste século,é que agora a beleza é um padrão moral. Joana cita Foucauld para lembrar que sempre haverá resistência ao discurso opressor.Neste caso, alguns feios insistirão em se apresentar feios,mas serão uma minoria. Os avanços da medicina e dos cosméticos acabaram com as desculpas.
Joana vê nesses valores, cuja origem ela detecta na cultura americana, uma lógica calvinista.Uma apropriação pósmoderna dos protestantes,que vêem o corpo como algo em que se deve investir; conceito oposto ao dos católicos, onde predomina a penitência e a culpa no que diz respeito ao corpo.

Em uma sociedade onde o modelo de beleza perseguido é a Gisele Bündchen, as mulheres com formas mais redondas se vêem naturalmente alijadas porque o modelo ideal se reproduz em todos os ambientes da sociedade de consumo, inclusive no ambiente trabalho. Hoje, ser gordo é ser feio. Não há mais complacência para o gordo simpático.E,para piorar,os gordos têm ainda contra eles o discurso dos médicos. Ou seja: são duas vezes transgressores. Com tudo isso, conclui Joana, a "beleza interior" é um conceito totalmente ultrapassado.

Transportando essa mudança de comportamento para o mercado, a economista Ruth Helena Dweck fez um trabalho para o IPEA onde analisou a beleza como uma variável econômica. Ela lembra que até a década de 70, só a discriminação por sexo e raça no mercado de trabalho eram objetos de debate. Os movimentos feministas e pelos direitos civis geraram muitos estudos e teses de antropólogos, sociólogos e psicólogos sociais, que envolveram muita teoria sobre a natureza do processo discriminatório. Depois de tantos debates, foram criadas leis específicas para proteger esses grupos, principalmente no mercado de trabalho.

Resolvido esse ponto, os estudos voltam-se agora para a discriminação relativa à aparência física. A economista cita em seu estudo a afirmação de dois outros estudiosos, Hamermesh e Briddle, que em 1994 já afirmavam que,nos Estados Unidos,"as pessoas de aparência simples ganham muito menos que as pessoas de boa aparência". E não é só isso, eles constataram que a penalidade pela simplicidade é de 5% a 10% maior do que o prêmio pela beleza. E isso vale tanto para as mulheres como para os homens.

Essa isonomia no que diz respeito ao sexo explica também a mudança na demanda por serviços de estética e higiene pessoal. Os dois americanos perceberam que as barbearias que se limitam a cortar cabelo, estão desaparecendo e no seu lugar estão surgindo os salões de beleza unissex. Ou seja, os homens não foram para os salões porque se tornaram mais sensíveis à beleza,mas porque a beleza se tornou critério de avaliação.

Como variável econômica, com forte impacto sobre o mercado de trabalho, é importante lembrar que a exigência de uma boa aparência requer gastos com serviços e produtos - o investimento em si mesmo do qual fala Joana. E,para reduzir ainda mais as justificativas de quem não investe em sua imagem, a constatação é que esses serviços de beleza são locais, baratos, não são afetados pelo movimento de globalização, característico de outros segmentos do setor de serviços. A questão tecnológica está ligada apenas à oferta de produtos, mas a prestação de serviços ainda é local.

Ao falar sobre as pesquisas, a dra. Joana de Vilhena Novaes lembra que ainda não existe no Brasil uma pesquisa de fôlego sobre a discriminação no trabalho, mas isso já é um fato perceptível na sociedade.A beleza é hoje um elemento tão discriminador quanto a inteligência. O estudo de Hamermesh e Briddle mostra que nos Estados Unidos, a diferença de salários entre as pessoas atraentes e pessoas não atraentes é de aproximadamente 10%, para ambos os sexos.

A transformação da beleza em mais um mandamento sagrado alavancou as vendas da indústria de cosméticos; mas esse não foi o único setor da indústria a ganhar. Os eletrônicos portáteis, que facilitam as vida da dona de casa e os aparelhos que permitem que ela faça em casa o que faria no salão de beleza - secador, frisador, alisador, também tiveram um grande impulso nas vendas.
Dessa forma,existe um grande e sincronizado movimento da economia voltado para fortalecer esse conceito, já anunciado por Vinícius de Moraes, de que beleza é fundamental.

(*)Reportagem publicada originalmente na edição nº 118 da revista Forbes Brasil, em 09/09/2005. A autora é repórter da revista.