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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

sexta-feira, setembro 23, 2005



CONTOS E CONTAS

Homenagem aos 110 anos de Malba Tahan, autor de 'O homem que calculava' e projeto de criação do Dia Nacional da Matemática estimulam debate sobre métodos de ensino mais atraentes para a disciplina

Júlio César de Mello e Souza escreveu, sob o pseudônimo Malba Tahan, mais de 100 obras


Monique Cardoso(*)

Amanhã (sábado 24/09/2005), o Colégio Pedro II homenageia um ex-aluno e professor que se tornou um lendário personagem nacional. A preservação da memória de Malba Tahan, ou Júlio César de Mello e Souza (1895-1974), é tema da mesa-redonda Malba Tahan e a educação matemática, às 9h, no Auditório Mario Lago, da unidade São Cristóvão. Professor de Matemática por seis décadas, Mello e Souza ajudou a reinventar o modo de se ensinar e aprender álgebra, geometria e aritmética por meio de histórias, problemas, jogos e desafios, muitos deles ambientados no mundo árabe, sua grande paixão. Seu método e seus livros, como O homem que calculava, ajudaram a promover a humanização do ensino da disciplina, que sempre foi temida pelos estudantes e está longe de ser a preferida de crianças e adolescentes.
Depois da homenagem – que reunirá especialistas na obra do matemático –, às 11h, será apresentada a peça Malba Tahan, um vendedor de esperança, do grupo de teatro formado por professores e alunos do curso de Matemática da Universidade de Guarulhos (SP).

– Saber matemática serve para que o ser humano viva melhor, porque vai raciocinar melhor. É importante que os alunos do Pedro II saibam quem foi Malba Tahan e tenham um encontro com sua obra – defende a professora Neide Parracho, diretora do Departamento de Matemática do colégio.

Os 110 anos de nascimento de Malba Tahan foram comemorados no último dia 6 de maio, e um projeto de lei para a criação do Dia Nacional da Matemática na data de seu aniversário, de autoria da deputada federal Raquel Teixeira (PSDB/GO), tramita na Comissão de Educação do Senado.

– Malba Tahan é um modelo inspirador. A criação desta data comemorativa, que deve ser aprovada em breve, é adequada não só por valorizar a memória do autor, mas pela importância da matemática numa sociedade pautada pela tecnologia – argumenta a deputada, que voltou ao Congresso esta semana (estava licenciada para ocupar a Secretaria de Ciência e Tecnologia de Goiás) e é uma das personagens da crise política nacional (Rachel afirma ter recusado proposta financeira do deputado Sandro Mabel, do PL de Goiás, para trocar de legenda, há um ano e meio).

Professores do Estado do Rio e da capital paulista já comemoram o Dia da Matemática em 6 de maio, com atividades de incentivo a um aprendizado mais agradável de matemática.

– Uma data comemorativa nacional seria um estímulo até para a democratização da disciplina. Os professores também precisam se preparar melhor para levar esse conhecimento às massas, porque o bom nível de alfabetização matemática está restrito às classes A, B e C – acredita a professora Lucia Vilella, da diretoria da Regional Rio da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM). Cristiane Coppe, coordenadora do grupo de teatro que se apresenta amanhã e professora da cadeira Prática de Ensino de Matemática da Universidade de Guarulhos, também vê o saber matemático como instrumento de poder e nivelador social:

– A matemática é um filtro que pode provocar exclusão. Vide as provas e resultados de vestibulares e concursos. De concreto, não há nada que justifique as crianças odiarem matemática, assim como é mito dizer que o aluno que é bom em matemática é bom em tudo.

Mas os professores reconhecem que há fases mais críticas da vida estudantil.

– Já constatamos que a passagem da sexta para a sétima série, por exemplo, é mais complicada. Neste período, o crescimento da parte algébrica coincide com mudanças biológicas e comportamentais da adolescência. Medidas para tornar o aprendizado prazeroso ajudam, mas não se pode deixar os conceitos de lado – explica a professora Neide.
Para evitar que alunos torçam o nariz para equações de vários graus nem para vértices e arestas muitos professores adotam como leitura complementar livros de Malba Tahan como A didática da matemática e O homem que calculava.

– Malba Tahan mostrou que é possível ensinar matemática com significado. Todos os atores da nossa peça são professores que estão buscando fórmulas para o melhor diálogo possível com seus alunos. E um dos passos fundamentais é estimular a criatividade deles – acredita Cristiane.

Em sua trajetória como professor, Júlio César de Mello e Souza criticou o excesso de algebrismo. Como escritor, transferiu problemas matemáticos para histórias fantásticas. Publicou mais de 100 livros sob o pseudônimo Malba Tahan, que se confunde com sua própria identidade. Adotou o nome por conta da boa aceitação que as lendas orientais tinham no início do século passado e acreditava que o mistério em torno de um escritor árabe ajudaria a vender livros. Acertou. O homem que calculava, da editora Record, está na 65ª edição.

– Li Malba Tahan quando tinha 12 anos e até hoje me pego folheando meu exemplar. Na minha época, muitos professores indicavam o autor. É inegável que seus contos são um estímulo eficiente e até poético para adquirir conhecimento. Acho que muita gente se tornou engenheiro ou matemático por causa dele – conta o aposentado Oswaldo de Souza, de 73 anos, ex-chefe de Recursos Humanos. O engenheiro paranaense Mahatma Saleh, de 25 anos e de origem libanesa, leu Malba Tahan na adolescência. Diz não ter sido influenciado pelo escritor em sua escolha profissional, mas admira o estilo do autor:

– Ele estimula, sobretudo, a leitura. E pode ensinar a gostar de matemática, porque mostra situações reais e inusitadas em que a matéria se aplica. Também fã dos livros de Malba Tahan, o servidor público do Ministério da Educação Lúcio Mello, 27 anos, leu O homem que calculava ainda criança, na 5ª série, por indicação do padrasto. Mello afirma que a obra o fez perder o medo e despertou seu gosto pela matéria:

– Não posso dizer que aprendi com os problemas do livro. Mas passei a ver a matemática de forma mais agradável. Até hoje acho fascinante histórias como o conto dos camelos e a parte do tabuleiro de xadrez.

Para preservar a memória do escritor, querido por quatro gerações de leitores, foi criado há um ano o Instituto Malba Tahan, em Queluz, em São Paulo, cidade onde Mello e Souza, carioca, passou boa parte da infância. O acervo que a família preservou por décadas foi transferido para lá, mas a sede, precária, chega a ter goteiras.

Neta de Malba Tahan, Renata Pereira acredita que as atividades no Colégio Pedro II vão despertar a atenção para a importância do escritor. No ano passado ela inscreveu o projeto de patrocínio do instituto para concorrer a uma verba da Petrobras para organização e manutenção do acervo. Não foi contemplada, mas continua buscando solução para o problema:

– Vamos buscar apoio junto a empresas privadas para proteger a memória do brasileiro que dedicou a vida a ensinar e a descomplicar a matemática.

(*)Repórter do Jornal do Brasil. Matéria publicada no Caderno B, de 23/09/2005.