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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

sábado, setembro 17, 2005


SOBRE ROBERT JOHNSON, PELÉ, VOCÊ E A SOLIDÃO RACIAL

Por Rosenildo Gomes Ferreira (*)

No ano passado (2003), a revista americana Business Week publicou uma ampla reportagem intitulada “Race in the Boardroom” que, numa tradução livre, significa “Diversidade Racial nos Conselhos de Administração”. A matéria – um trabalho de grande fôlego e que só foi concluída com êxito porque boa parte das declarações foram dadas em off (quando as fontes não são reveladas) – esquadrinhou a forma como as empresas européias lidavam com a diversidade racial e cultural. E mais. Também procurou listar quantos integrantes de minorias étnicas, em cada país, ocupavam postos de alto nível. Por último, tentou-se medir o impacto dessas políticas no desempenho das grandes corporações do Velho Mundo. A resposta de um executivo alemão, confrontado com a fatídica pergunta sobre o grau de diversidade da empresa que ele dirigia (“Uma vez tivemos um belga!”); mostra que a Europa ainda tem muito que avançar nesse terreno. Uso a reportagem, caro leitor, apenas como um abre-alas para o que, de fato, pretendo tratar nesse ensaio: a Solidão Racial. Esse “mal”, uma espécie de primo distante do banzo, atinge de forma indistinta pesos-pesados do mundo corporativo como Robert Johnson (fundador da Black Entertainment Television e o primeiro afrodescendente a entrar na lista de bilionários da revista Fortune, com um patrimônio de US$ 1,5 bilhão) e personalidades do calibre de Edson Arantes do Nascimento, que vive sob a pele do heterônimo Pelé.

A Solidão Racial, contudo, é mais lancinante sobre os afrodescendentes comuns. Pessoas, exatamente, como eu e você cujo principal mérito na vida foi conseguir furar as “barreiras naturais” à ascensão profissional e pessoal. A cada degrau que subimos vemos que o mundo a nossa volta vai se tornando cada vez mais monocromático. Até que, um dia, nos damos conta de que no escritório, no barzinho, no restaurante e também na piscina do condomínio, somos, via de regra, o único negro do recinto. A unicidade nos transforma em uma espécie de zumbi. Um ser sem alma. Um ser sem cor. Invisível, mesmo! É nesse ponto que é preciso vigilância redobrada para não acabarmos nos afastando do debate racial. Às vezes, a “ficha só cai” quando nos deparamos com situações de confronto explícito. Algo semelhante ao que aconteceu com Bob Johnson que, do alto de seu patrimônio bilionário, foi instado a manobrar o carro de uma hóspede, enquanto esperava por um amigo à porta de um hotel de luxo em Washington D.C. (Estados Unidos).

A Solidão Racial, no entanto, não é causa em si mesma. É, sim, efeito de um sistema perverso que nega a uma expressiva parcela da sociedade brasileira os mais elementares direitos, tendo por base o critério étnico. O antídoto, sabemos, já existe e se chama sistema de cotas. Cotas no serviço público. Cotas nas universidades. Cotas no legislativo. Talvez, dessa forma, possamos, daqui a 10 ou 15 anos, olhar para o lado, nos lugares onde o número de zeros no contra-cheque dita quem entra ou não, e ver que o matiz de cores está mais próximo do que vemos nas pesquisas do IBGE. Sem isso, continuaremos vendo zumbis famosos como Pelé e Bob Johnson e zumbis anônimos como eu e você, sofrendo da tal Solidão Racial!

(*) Artigo escrito originalmente para a edição numero 0 da revista Afirmativa Plural, editada pela Afrobras/Faculdade Zumbi dos Palmares. O autor é repórter da editoria de Negócios e titular da coluna "Empresas do Bem" da revista IstoÉ DINHEIRO.