.comment-link {margin-left:.6em;}

Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

domingo, outubro 02, 2005

A MALANDRAGEM NO CONGRESSO NACIONAL


Com a experiência de quem cobre o Legislativo há 20 anos, jornalista conta como as relações espúrias movem o Congresso


Guilhermo Rivera (*)

Mesmo sendo considerado por seus colegas um dos mais profundos conhecedores do submundo do Congresso, o jornalista Lúcio Vaz admite que se surpreendeu com o esquema do mensalão e a dimensão da atual crise política. “O que impressiona na atual crise é a complexidade e a amplitude do sistema montado pelo PT”, afirma, ao lembrar que nem os casos Collor e dos Anões do Orçamento envolveram tantos parlamentares e partidos políticos.

Com a experiência de quem há 20 anos vasculha os bastidores do Congresso, o repórter do Correio Braziliense não se ilude com a troca no comando da Câmara: a renúncia de Severino Cavalcanti (PP-PE) não representa a queda do chamado baixo clero, nem o fim das negociações espúrias que fazem a Casa funcionar. “O Congresso é sustentado pela ética da malandragem”, constata.

A atual onda de escândalos é a primeira a estourar após a publicação do livro A Ética da Malandragem – No Submundo do Congresso Nacional (Geração Editorial), lançado este ano pelo jornalista, com base no relato de algumas de suas principais reportagens. Na obra, ele conta como descobriu e revelou irregularidades que tiveram repercussão nacional mas que, ainda assim, não afastaram da vida pública a maioria de seus protagonistas.

Alguns, como o atual corregedor da Câmara, Ciro Nogueira (PP-PI), e o vice-líder do PTB Nelson Marquezelli (SP), inclusive, ainda circulam com desenvoltura pela Casa. Outros se mantêm na política, mas em posições mais modestas, como os ex-deputados Basílio Villani (PSDB-PR) e José Gomes da Rocha (PMDB-GO), que se viram obrigados a trocar Brasília pelo dia-a-dia da vida pública local.

“Em meu livro, falo de um caso de um deputado que se queixa do não-cumprimento, por parte do Executivo, de um pacto de venda de votos. ‘Até nesse tipo de atitude tem de ter uma ética’, reclamava o deputado. É essa a ética da malandragem”, conta Lúcio Vaz, nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.

Congresso em Foco – O senhor é considerado, por muitos de seus colegas, o “repórter do baixo clero”. Mas quem, afinal, não é “baixo clero” no Congresso hoje?
Lúcio Vaz – Tem baixo clero e cardeais no Congresso. Os cardeais são esses parlamentares que ficam se alternando entre cargos da mesa, lideranças partidárias e presidências de partidos. Aí se incluem deputados como Alberto Goldman (PSDB-SP) e Michel Temer (PMDB-SP) e senadores como Jorge Bornhausen (PFL-SC) e José Agripino Maia (PFL-RN). Esses parlamentares perderam espaço para o baixo clero, que chegou ao poder. Mas depois dessa experiência amarga com o Severino Cavalcanti, que provocou um desgaste enorme para a imagem da Câmara, os cardeais vão querer assumir o lugar que lhes pertence pela experiência e a liderança que eles têm. Espaço do qual eles, inesperada e inexplicavelmente, abriram mão para um aventureiro.

O Congresso é composto, em sua maioria, por “Severinos”?
Eu acho que não. Por coincidência, o Severino teve 300 votos, e o Lula dizia, antes de ser presidente, que o Congresso tinha 300 picaretas, mas deve ser somente coincidência. Não existem 300 pessoas nesse nível. Foi uma coincidência que a turma do baixo clero, que tenha talvez uns 200 votos, aliada a uma oposição mais ferrenha ao governo Lula, tenha conseguido aqueles 300 votos.

Ainda há muitos “Severinos” em circulação na Câmara que passam sem ser percebidos?
Com certeza. Na abertura do meu livro (A Ética da Malandragem – No Submundo do Congresso Nacional), eu cito Severino Cavalcanti, Ciro Nogueira e os ex-deputados Ronivon Santiago (PP-AC), José Gomes da Rocha (PMDB-GO) e Basílio Villani (PSDB-PR) como semelhantes. O Severino já saiu da Casa. O segundo da lista é o Ciro Nogueira. Ronivon Santiago teve o mandato cassado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por abuso de poder econômico, e o Basílio Villani aparece em três capítulos do livro fazendo todo tipo de fraude. E ele sempre se manteve na Casa, porque o que sustenta o Congresso é a chamada “ética da malandragem”. Uma ética própria que só existe neste submundo do Congresso.

O que caracteriza essa ética da malandragem no Congresso?
A ética da malandragem é uma ética própria, que sustenta relações espúrias que existem entre parlamentares, partidos, Congresso e Executivo. Cito, no livro, vários casos de parlamentares que "vendem" seus votos, trocam-no por favores, verbas públicas, cargos, posições no governo e, por vezes, até outras coisas. Mas por que alguém vende votos, e por que alguém compra votos? Para facilitar as negociações. Em meu livro, falo de um caso de um deputado que se queixa do não-cumprimento, por parte do Executivo, de um pacto de venda de votos. "Até nesse tipo de atitude tem de ter uma ética", reclamava o deputado. É essa a ética da malandragem.

O corregedor-geral da Câmara Ciro Nogueira, que ficou em terceiro lugar na eleição dessa quarta-feira, difere em que aspectos de Severino, seu padrinho político?
Ele é um pouco mais preparado. Mas no meu livro ele também aparece como alvo de denúncias. Ele contratou quatro parentes para fazer o chamado “nepotismo cruzado” com o senador Efraim Morais (PFL-PB). Ciro colocava seus parentes na primeira vice-presidência da Câmara, ocupada pelo então deputado Efraim Morais. Em contrapartida, Efraim colocava seus parentes na quarta-secretaria da Câmara, comandada na época por Ciro. Ele é um parlamentar de baixo clero que gosta desse tipo de mordomia, embora me pareça, pelo discurso, uma pessoa um pouco mais preparada do que o Severino. Por isso ele é chamado de “príncipe do baixo clero”. Espero que sem mandato.

Em seu livro A Ética da Malandragem, o senhor se concentra em denúncias ocorridas no começo dos anos 1990. Há algo de diferente naquela década?
Na verdade, a maior parte das denúncias se refere aos anos de 1997 e 1998, véspera de período eleitoral. Embora ocorram generalizadamente, as irregularidades se concentram mais em períodos eleitorais, época em que acontecem muitas fraudes nas convenções partidárias estaduais, em que os governadores candidatos à reeleição distribuem prêmios para a população em troca de votos. Mas há coincidências. Tem, por exemplo, uma matéria sobre um deputado que contratou com dinheiro da Câmara, em 1997, um time de futebol.

Esse episódio é pitoresco, porque, em vez de ser cassado, o deputado denunciado acabou se reelegendo graças em parte à própria denúncia. Como foi isso?
Eu descobri que o deputado José Gomes da Rocha (atual prefeito do município goiano de Itumbiara) tinha usado a verba de gabinete para contratar sete jogadores de futebol para o Itumbiara Esporte Clube, que disputava a primeira divisão estadual. Eu fiz a matéria, e ele foi suspenso por um mês por conta desta denúncia. Só que, passada a suspensão, eu o encontrei no cafezinho da Câmara. Achei que ele estava agindo de um jeito estranho ao me ver. O deputado veio em minha direção, levantou a mão, parecendo que iria me agredir, mas, de repente, abaixou a mão para me cumprimentar. “Muito obrigado, você garantiu a minha reeleição”, disse. Então ele explicou que as enquetes feitas nas rádios locais indicavam que 90% da população de Itumbiara aprovava o que ele havia feito. E ele realmente foi reeleito, com 20 mil votos a mais do que na eleição anterior (José Gomes teve 35 mil votos em 1994, pelo PRN, e 55 mil votos pelo PSD, em 1998).

O senhor acompanhou de perto as principais crises políticas do país nos últimos 20 anos. O que diferencia a atual das demais, como os casos Collor e dos “anões do Orçamento”?
O que impressiona na atual crise é a complexidade e a amplitude do sistema montado pelo PT. O esquema de Paulo César Farias era um esquema que envolvia o ex-presidente Fernando Collor de Mello e seus amigos. Não envolvia muitos parlamentares. Já o caso dos “anões do Orçamento” atingiu somente a Comissão Mista de Orçamento. Agora, não. Trata-se de um esquema que envolveu toda a direção do partido que está no governo e vários parlamentares importantes, como o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP). E, além disso, outros partidos aliados, como o PL, o PP, o PTB. É uma base de apoio muito ampla que foi beneficiada por esse esquema de arrecadação de dinheiro.

Com denúncias de todos os lados, como os repórteres devem agir pra não cometer injustiças?
Basicamente, primeiro, ficar atento, abrir a parabólica, ver de onde vem a informação. O fundamental é que o jornalista tenha o cuidado de checar a informação, porque se colocarmos o nome de um deputado como sendo envolvido em um esquema desses, e daqui a uma semana, ficar provado que ele é inocente, não adianta mais. Ele já estará condenado pela população.

(*) Entrevista publicada originalmente no boletim eletrônico Congresso em Foco. O autor é repórter do referido site www.congressoemfoco.com.br