.comment-link {margin-left:.6em;}

Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

sexta-feira, novembro 18, 2005

O ATOR NEGRO NA CENA BRASILEIRA

por Nei Lopes (*)

Desde os tempos coloniais, no Brasil, atores e atrizes negros têm mostrado sua arte em palcos e arenas os mais diversos. E essa história se conta - depois de uma préhistória recheada de performances de rua, desempenhadas por artistas solitários ou por elencos de autos populares como os comcubis, congadas, etc. - a partir dos mulatos Xisto Bahia (1824 - 1892), ator, cantor e compositor, e Francisco Vasques (1839 - 1892), considerado o maior ator cômico de seu tempo.

Destes, chegamos aos atores da Companhia Bataclan Negran, da Companhia Negra de Revista (Rio, 1926), e da Companhia Mulata Brasileira (São Paulo, 1930). Mas antes assistimos ao apogeu de Eduardo das Neves (1874 - 1919), ator circense que, já em 1909, tornava-se um dos pioneiros do cinema brasileiro interpretando o monologo Sangue Espanhol; e de Benjamin de Oliveira (1872 - 1954), filho de escravos que se tornaria o Rei dos palhaços Brasileiros e ator pioneiro na introdução de dramas teatrais em espetáculos circenses, a tal ponto que chegou a encenar o Othelo, de Shakespeare.

Entretanto, apesar dessas antigas e singulares contribuições dos intérpretes negros à arte de representar no Brasil, a dramaturgia nacional pouco se interessou pela criação de personagens negros mais densos, fixando-se apenas nos estereótipos, como os do criado fiel, da criadinha espevitada, do moleque de recados, etc., sempre representado por atores brancos pintados de preto. É para reverter esse quadro que surge o Teatro Experimental do Negro.

Fundado em 1944 e ativo até 1964, o TEN vai mostrar, inclusive no palco brasileiro de maior prestígio, o do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, atores negros representando autores negros e, principalmente, denunciando a ótica alienada através da qual a alma nacional focava os afro-descedentes, sempre vistos à luz do pitoresco ou do puramente histórico, como elementos estáticos, peças de museu. "Mas fora do TEN, e apesar dos talentosos atores que a iniciativa revelou, o problema continuava. No final dos anos de 1950, por exemplo, o Pedro Mico de Antônio Callado e o Gimba de Gianfrancesco Guarnieri, personagens marcadamente negros em sua construção, foram interpretados por atores brancos.

Em 1968, depois de Ruth de Souza ter brilhado no filme Sinhá Moça (1953) e de Grande Otelo ter mostrado o seu talento e versatilidade, o Cinema Novo revelava Antônio Pitanga, Luiza Maranhão e outros. Mas só a partir de 1976, com Milton Gonçalves, na telenovela Pecado Capital da Rede Globo, a principal rede brasileira de televisão, num momento em que esse veículo já capitalizara todo o antigo potencial do teatro e do cinema, é que era oferecido ao consumo do grande público brasileiro o espetáculo de um ator negro de grande densidade dramática representando um personagem a altura do seu talento.

De lá para cá, uma nova geração de atores negros, entre os quais Camila Pitanga, Isabel Fillardis, Lui Mendes, Norton Nascimento, Taís Araújo e outros, vem se formando, não no cinema e no teatro, como antes, e, sim, na televisão. São artistas que certamente vêm para, daqui a pouco, enriquecerem a galeria dos
grandes atores brasileiros.

OS ARTISTAS DA NOSSA GALERIA:

ABDIAS NASCIMENTO
Ator e dramaturgo nascido em Franca, SP. Em 1994 fundou, no Rio, o Teatro Experimental do Negro. Autor de Sortilégio - Mistério Negro, drama encenado em 1957 no Teatro Municipal do RJ e no Teatro Municipal de SP, participou, como ator, das montagens de Todos os Filhos de Deus Têm Asas, de Eugene O'Neil (1946); O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso (1947); Aruanda (1948); Calígula, de Albert Camus (1949); Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes (Teatro Municipal do RJ, 1956); Perdoa-me por me Traíres (Teatro Municipal e Teatro Carlos Gomes, RJ, 1957); Sortilégio (Teatro Municipal, 1957), etc., além de protagonizar o Othelo de Shakespeare (1946), com Cacilda Becker e sob direção de Willy Keller.
No TEN dirigiu, entre outras montagens, as de O Imperador Jones, de Eugene O'Neil (1945, 46 e 53); Aruanda (1948) e Filhos de Santo (1949). Militante histórico da causa afro-brasileira, com projeção internacional, em 1983 elegeu-se deputado federal; em 1991 foi o primeiro titular da Secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do RJ. e em 1997 assumiu cadeira no
Senado, como suplente do falecido Sen. Darcy Ribeiro.

ANTONIO PITANGA
Nome artístico de Antônio Luiz Sampaio, ator n. na Bahia. Um dos atores preferidos de Glauber Rocha e um dos artistas mais requisitados no Cinema Novo, integrou, entre muitos outros, os elencos de Bahia de Todos os Santos (1960), A Grande Feira (1961), Barravento (1962), Ganga Zumba(1964), Câncer (1964), Jardim de Guerra (1968), Compasso de Espera (1973), Crueldade Mortal (1976), Cordão de Ouro (1976), Ladrões de Cinema (1977), A Deusa Negra(1979), Na Boca do Mundo (1979), Rio Babilônia (1982), Quilombo(1984), etc. Paralelamente à carreira de ator de cinema e televisão, é vereador no Município do Rio de Janeiro.

GRANDE OTELO
Nome artístico de Sebastião Bernardes de Souza Prata, ator brasileiro de teatro, cinema e televisão, n. em Uberlândia, MG, e f. em Paris. Depois de atuar em cassinos e outros tipos de casas noturnas, a partir de 1935 fez do cinema sua principal atividade, tendo aparecido nas telas pela primeira vez em Noites Cariocas. Em 1943 protagonizou o primeiro filme produzido pelos estúdios Atlântida, Moleque Tião. Seu grande sucesso, entretanto, ocorreu quando fez dupla com Oscarito em mais de 10 chanchadas, como Carnaval de Fogo, Matar ou Morrer, etc. Teve também participações memoráveis em filmes como Rio, Zona Norte, Macunaíma, etc., além de marcante atuação na TV e no teatro. O primeiro artista negro laureado no Congresso Nacional por seu trabalho, morreu de enfarte na França, onde seria homenageado no Festival dos Três Continentes, em Nantes.

MILTON GONÇALVES
Ator n. em Monte Santo, MG. Conhecido a partir do final dos anos 50. No Teatro de Arena de São Paulo participou de importantes montagens como as de Arena Conta Zumbi e A Mandrágora. Ator de múltiplos recursos, e certamente um dos maiores do Brasil em sua arte, em cinema, foi varias vezes premiado, principalmente por sua interpretação em A Rainha Diaba, de 1974. Na televisão vem atuando com sucesso na Rede Globo, nas funções de ator e diretor de telenovelas e programas especiais.

MUSSUM
Nome artístico de Antônio Carlos Bernardes Gomes, sambista e ator humorístico n. e f. no Rio, RJ. Depois de fazer parte do grupo musical Originais do Samba, iniciou carreira na TV como comediante, integrando o grupo Os Trapalhões, com o qual estrelou durante vários anos um programa semanal na Rede Globo e fez cerca de 40 filmes dirigidos ao público infantil, todos de grande sucesso.

NÉLSON XAVIER
Ator brasileiro de cinema e televisão. Com carreira iniciada no teatro, foi um dos líderes do Teatro de Arena, em São Paulo, e do Teatro Opinião, no Rio, importantes iniciativas artísticas surgidas nos anos 60, no bojo do movimento nacionalista de produção cultural da época, empenhado na criação de uma arte comprometida com as transformações sociais. No cinema participou, entre outros filmes de Os Fuzis (1963), A Rainha Diaba (1974), Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976) e Eles não Usam Black-Tie (1981). Na dramaturgia televisiva, tornou-se conhecido pela composição de tipos regionais, como sertanejos, pescadores, cangaceiros, malandros, etc., em personagens de grande densidade, como o Lampião da famosa minissérie da Rede Globo dos anos 80.

RUTH DE SOUZA
Atriz n. no Rio e radicada em MG, até os 9 anos de idade. Com carreira iniciada em 1945 no Teatro Experimental do Negro e estreando no cinema em 1948, participou de mais de 25 filmes, 30 telenovelas e 20 peças teatrais, além de seriados e especiais de TV. Uma das primeiras atrizes afro-brasileiras a representar no Teatro Municipal do Rio, estudou teatro e foi assistente de direção nos Estados Unidos. Em 1954 concorreu ao prêmio de melhor atriz coadjuvante no Festival de Veneza, por sua atuação no filme Sinhá Moça, perdendo por dois votos para a americana Lili Palmer. Em 1987 retornou às telas em Jubiabá, de Nélson Pereira dos Santos, depois de uma ausência de vinte anos (sua última aparição fora em O Homem Nú, de 1967). Em 1988 recebeu do Governo brasileiro diploma e insígnias como comendadora da Ordem do Rio Branco, por sua contribuição à arte brasileira. Integra o elenco de dramaturgia da Rede Globo de Televisão.

TONY TORNADO
Nome artístico do ator e cantor brasileiro Antônio Viana Gomes, n. em Mirante de Paranapanema, SP. No final dos anos 50, já no Rio, inicia carreira artística na cena do rock and roll, sob o pseudônimo de Tony Checker. Pouco depois ingressa no grupo de danças folclóricas Brasiliana, com a qual viaja pela Europa. De volta ao Brasil, nos fins dos anos 60, ganha popularidade como intérprete de soul music, destacando-se com forte impacto, no 5° Festival Internacional da Canção.
Em 1972 participa, já como ator, da minissérie Jerônimo, na extinta TV Tupi e, depois de um curso de arte dramática, enceta carreira de ator, primeiro em programas humorísticos e depois em telenovelas e minisséries. Suas caracterizações, no cinema, como o Ganga Zumba no filme Quilombo de Cacá Diegues e, na Rede Globo de Televisão, como o Rodésio da novela Roque Santeiro e o Gregório Fortunato da minissérie Agosto, guindaram-no, definitivamente, ao patamar dos grandes atores brasileiros.

ZÓZIMO BULBUL
Ator e diretor cinematográfico n. no Rio de Janeiro, RJ. Roteirizou, dirigiu e interpretou Alma no Olho(1976);escreveu e dirigiu Dia de Alforria(1981); trabalhou como ator, entre outras produções, em Compasso de Espera (1973), onde protagonizou o personagem principal um poeta negro às voltas com problemas existenciais motivados pelo racismo; Sagarana (1973); Pureza Proibida (1974);A Deusa Negra (1979). Ainda nos anos 70, no teatro, personificou Orfeu da Conceição, na segunda montagem carioca. Em 1988 realizou, com apoio do Ministério da Cultura, o elogiado documentário Abolição, produzido no âmbito das comemorações e reflexões sobre o centenário do fim da escravidão no Brasil.

ZEZÉ MOTTA
Nome artístico de Maria José Motta de Oliveira, atriz e cantora n. em Campos,RJ. Com carreira profissional iniciada em 1966, no elenco da peça Roda Viva, atuou, com destaque, em importantes montagens teatrais, filmes - como Cordão de Ouro (1977), A Força de Xangô (1977), Águia na Cabeça(1983), Jubiabá (1986), Anjos
da Noite (1987) - e telenovelas.

A partir de 1979 encetou, paralelamente, discográfica como intérprete de música popular. Integra o elenco de teledramaturgia da Rede Globo de Televisão, participando, em 98, da telenovela Corpo Dourado. Artista de múltiplos talentos, sua imagem pública continua, até hoje, alegremente vinculada ao filme Xica da Silva (1976), que viveu com grande intensidade e sucesso.

(*) Advogado, escritor, pesquisador, músico, compositor e (claro!) sambista de Vila Isabel. O texto foi escrito originalmente para o site www.cidan.org.br (você pode acessá-lo diretamente clicando em CIDAN, na barra de LINKS à direita.