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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

domingo, outubro 23, 2005

REITOR DA “ZUMBI” CRITICA UNIVERSIDADES

Dirigente de faculdade voltada a afrodescendentes cobra mais políticas para reduzir desigualdades no país


Fábio Takahashi (*)

As universidades não estão interessadas em ajudar a diminuir as desigualdades sociais. A opinião é de José Vicente, presidente da ONG Afrobras, que busca o desenvolvimento social dos negros.
Esse pensamento levou Vicente, 45, a criar há cerca de três anos a faculdade Zumbi dos Palmares, instalada no centro de São Paulo. A intenção é oferecer ensino superior a afrodescendentes, para que eles próprios busquem mecanismos que permitam uma ascensão social de negros e de pobres.
Vicente, que tem formação superior em direito e em sociologia, é o reitor da faculdade.
Para ele, há descaso de universidades tradicionais com os negros e pobres. Ele cita, nominalmente, a USP. ""A Universidade de São Paulo deveria ter um grupo de trabalho há mais de 50 anos para trazer respostas para o problema das desigualdades sociais", afirma Vicente.
A pró-reitoria de graduação da USP se defende da acusação (leia texto nesta página).
Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Vicente à Folha.

Folha - Por que a faculdade Zumbi dos Palmares foi criada? As universidades não têm, atualmente, condições de atender às exigências dos estudantes negros?

José Vicente - Não têm condições nem interesse de melhorar a vida dos negros e afrodescendentes.

Folha - Mas seria papel das universidades tratar de apenas uma fatia da população?
Vicente - Sim. A classe intelectual, que está dentro da universidade, deveria ter uma resposta para as desigualdades sociais. Pagamos caríssimo para deixar grandes pensadores se qualificando no exterior, fazendo cursos de toda a natureza.
Pela lógica, quem deveria trazer respostas para solucionar um problema estrutural do nosso país, que é a cisão entre os negros e os não-negros? Seriam os intelectuais. Mas, por motivos muitas vezes ""inconfessais", eles não têm mostrado interesse em se debruçar nesse tema. Se eles não o fazem, cabe aos movimentos dos mais variados tentarem caminhos alternativos.
A Universidade de São Paulo deveria ter um grupo de trabalho há mais de 50 anos para trazer respostas para o problema das desigualdades sociais. Mas tudo o que se conseguiu discutir até agora, que é a política de cotas [no ensino superior], não saiu de dentro da universidade, mas sim dos movimentos sociais. Daí esses intelectuais saem da universidade e afirmam que a cota é imoral, ilegítima, racismo às avessas. Então você diz: ""Tudo bem. Mas então qual a solução que vocês trazem, já que vocês ganham para dar respostas como essa?" A resposta é: ""Não tenho". Uma universidade que consegue trabalhar com o seqüenciamento genético não tem capacidade de pensar em alguma solução para essa questão social? Isso gera uma tensão muito grande. Por enquanto, dá para segurar a ""negrada" na Cidade Tiradentes [região pobre da periferia de São Paulo], mas eles não vão ficar lá para sempre.

Folha - Um dos argumentos das universidades que não querem cotas raciais é que essa política poderia aumentar o racismo, porque todos os negros que estivessem na universidade seriam encarados como cotistas, que tiraram vagas dos outros estudantes. O que senhor pensa sobre isso?
Vicente - Essa é uma justificativa de quem está com um privilégio há mais de 500 anos e que não quer saber o que está ocorrendo lá fora [da universidade]. O cotista vai ser estigmatizado? O negro não quer nem saber, ele quer mais é entrar na USP. Seja por cotas, pelo telhado, pelo banheiro.

Folha - Quais serão os próximos passos da Zumbi dos Palmares?
Vicente - Estamos nos preparando para oferecer outros cursos [atualmente, a faculdade mantém somente o de administração].
Antes de abri-los, o que deverá ocorrer em dois anos, temos de cumprir algumas exigências da legislação.

Folha - Quais serão os cursos?
Vicente - Direito e um de comunicação, provavelmente rádio e TV. Precisamos de profissionais da área de comunicação que tenham a consciência do que queremos implantar com o nosso trabalho e divulgar isso. E também precisamos de juristas que compreendam o tema dos direitos humanos e da cidadania, mais especificamente a dos negros. O de administração foi escolhido porque precisamos despertar esse negro para o empreendedorismo. Queremos despertar no jovem negro o valor de gestão de negócio, a do seu negócio, não o do outro.

Folha - O Brasil é um país racista?
Vicente - Não há dúvidas. Dias atrás, houve comemoração porque a diferença entre salários de brancos e de negros diminuiu de 130% para 90% [ele cita um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, divulgado no final do mês passado]. Olha o percentual em que isso ainda está. Não preciso dizer mais nada.

SAIBA MAIS SOBRE A FACULDADE ZUMBI DOS PALMARES

87% dos alunos declararam ser afrodescendentes

A faculdade Zumbi dos Palmares possui 650 alunos, sendo 87% afrodescendentes. O reitor da instituição, José Vicente, afirma que a mistura é o ponto forte da instituição, que busca capacitar profissionais que busquem diminuir as desigualdades sociais.

"Não pode ter só negro, porque ele já sabe de cor e salteado [as desigualdades]. E não pode ser só de não-negros, porque seria apenas uma exposição teórica", afirma Vicente. "Boa parte do racismo no nosso país acontece porque não há esse contato", complementa.
Segundo o reitor, a faculdade é a primeira da América Latina a ter mais de 80% de alunos negros.
A faculdade reserva 50% das vagas a candidatos que se autodeclararem afrodescendentes. Caso não haja um número suficiente de inscritos para preencher essa cota, os lugares passam para o "sistema universal" -o movimento inverso também pode ocorrer.
A mensalidade é de R$ 260. Para manter o valor menor do que o de mercado, a faculdade conta com doação de empresas e com a ajuda dos professores, que recebem menos do que ganhariam em outras instituições de ensino superior.
A Zumbi dos Palmares tem autorização do Ministério da Educação para oferecer 400 vagas. Excepcionalmente, no próximo processo seletivo serão 600, porque a instituição abriu apenas 200 no primeiro ano. As inscrições para o exame estão abertas e vão até 22 de novembro. Mais informações sobre a instituição no site www.unipalmares.org.br ou pelo telefone 0/xx/11/3313-8701.

A PALAVRA DA USP

A pró-reitora de graduação da USP, Sonia Penin, nega que a universidade não tenha preocupação com a inclusão social. Para sustentar essa posição, Penin cita o grupo de trabalho formado na pró-reitoria de graduação para estudar o tema.
Uma das conclusões do grupo foi a necessidade de aumentar a quantidade de isenções da taxa de inscrição do vestibular. O número subiu de 15 mil para 65 mil de 2002 até este ano, quando a inscrição custou R$ 105, já com o manual do candidato.
Outra medida é o programa de capacitação de professores do ensino médio público. Com relação às cotas, a USP ainda debate a medida.

(*) Repórter da Folha de S. Paulo. Matéria publicada na edição de 23/10/2005.