FUTEBOL E MERCADOS
Mailson da Nóbrega (*)
No caderno Aliás de domingo passado, o Estado trouxe mais uma interessante reportagem do jornalista Fred Melo Paiva, desta vez a entrevista com o músico e professor de Literatura Brasileira da USP José Miguel Wisnik, que prepara um livro sobre futebol.

Para começar, ambos são muito antigos. Segundo Wisnik, os jogos de bola medievais, “ao mesmo tempo violentos e promotores de sociabilidade”, foram reinventados pelos ingleses no fim do século 19.
O futebol foi, então, codificado “de maneira a aparar-lhe as arestas, torná-lo controlável e contabilizável, arbitrado por um sistema de regras e sublimado na sua violência. Em vez de um número incontável e desigual de jogadores, temos 11 de cada lado; em vez de campos, brejos, pântanos e aldeias, um campo retangular e à parte do mundo comum, cercado de platéia; em vez de participantes feridos e ocasionalmente mortos na refrega, esportistas protegidos por regras que regulamentam o corpo-a-corpo”.
Poder-se-ia acrescentar que o futebol começou a nascer com as instituições que o tornaram organizado e sustentável. Wisnik deixa implícito que o futebol se firmou porque, além das regras, surgiu também o juiz para impor punições aos que as violam, o que dá mais força à analogia com as instituições. Na definição de Douglass North, instituições são as regras do jogo em uma sociedade ou, mais formalmente, as restrições criadas para moldar a interação humana e, assim, estruturar incentivos para ações de natureza política, social ou econômica. As instituições formais são criadas pelos governos e as informais derivam de convenções e códigos de conduta estabelecidos pelos indivíduos, como no caso do futebol.
North assinala a analogia entre as instituições e competições esportivas. Diz que num jogo entre dois times as instituições incluem as regras escritas e as não escritas, como a de não ferir deliberadamente um jogador do outro time. O cumprimento das regras é fundamental para o êxito do jogo. Se elas forem infringidas, impõe-se a respectiva punição. Um time pode até adotar a estratégia de violá-las, mas, se a punição for severa, terá jogadores expulsos e correrá o risco de ser derrotado. O simples conhecimento das conseqüências costuma ser suficiente para evitar o mau comportamento esportivo.
O mercado é muito mais antigo do que os jogos de bola medievais.
Recentes pesquisas indicam que o mercado pode ter sido responsável pela própria existência da humanidade. A especialização e o comércio permitiram que o Homo sapiens - o homem moderno - prevalecesse sobre o Homo Neandertalensis. A dominação do sapiens teria sido obra de um sistema econômico mais eficiente. O sapiens praticava o comércio e já fazia trocas de longa distância, o que lhe permitiu obter mais carne, elevar a fertilidade e aumentar a população. Sobraram menos suprimentos para os grupos do Neandertal, o que teria gerado o seu declínio e desaparecimento.
Não é exagero, assim, a comparação aqui feita entre o futebol e o sistema de mercado. Este nasceu antes, na esteira do surgimento do Estado, por volta do século 17. O Estado busca garantir o equilíbrio entre os diversos grupos da sociedade para o que detém o monopólio legítimo do uso da coerção, vedando à população a possibilidade de resolver os conflitos com a utilização da violência, que é sua prerrogativa.
O êxito do futebol e do

O futebol e o capitalismo têm a sua origem na Inglaterra. O primeiro se tornou arte no Brasil, seu incontestável campeão. Não dá para dizer o mesmo do segundo, mas o capitalismo começa a fincar raízes no País, por força do desenvolvimento institucional dos últimos anos, como tenho procurado realçar neste espaço. É justo esperar que, com reformas das instituições e com o tempo, o sistema de mercado também dê certo por estas plagas.
(*) Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendências.com.br). Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 30/10/05.
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