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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

domingo, outubro 30, 2005

FUTEBOL E MERCADOS

Mailson da Nóbrega (*)

No caderno Aliás de domingo passado, o Estado trouxe mais uma interessante reportagem do jornalista Fred Melo Paiva, desta vez a entrevista com o músico e professor de Literatura Brasileira da USP José Miguel Wisnik, que prepara um livro sobre futebol.
A matéria me permite fazer uma comparação entre o futebol e o mercado.
Para começar, ambos são muito antigos. Segundo Wisnik, os jogos de bola medievais, “ao mesmo tempo violentos e promotores de sociabilidade”, foram reinventados pelos ingleses no fim do século 19.

O futebol foi, então, codificado “de maneira a aparar-lhe as arestas, torná-lo controlável e contabilizável, arbitrado por um sistema de regras e sublimado na sua violência. Em vez de um número incontável e desigual de jogadores, temos 11 de cada lado; em vez de campos, brejos, pântanos e aldeias, um campo retangular e à parte do mundo comum, cercado de platéia; em vez de participantes feridos e ocasionalmente mortos na refrega, esportistas protegidos por regras que regulamentam o corpo-a-corpo”.

Poder-se-ia acrescentar que o futebol começou a nascer com as instituições que o tornaram organizado e sustentável. Wisnik deixa implícito que o futebol se firmou porque, além das regras, surgiu também o juiz para impor punições aos que as violam, o que dá mais força à analogia com as instituições. Na definição de Douglass North, instituições são as regras do jogo em uma sociedade ou, mais formalmente, as restrições criadas para moldar a interação humana e, assim, estruturar incentivos para ações de natureza política, social ou econômica. As instituições formais são criadas pelos governos e as informais derivam de convenções e códigos de conduta estabelecidos pelos indivíduos, como no caso do futebol.

North assinala a analogia entre as instituições e competições esportivas. Diz que num jogo entre dois times as instituições incluem as regras escritas e as não escritas, como a de não ferir deliberadamente um jogador do outro time. O cumprimento das regras é fundamental para o êxito do jogo. Se elas forem infringidas, impõe-se a respectiva punição. Um time pode até adotar a estratégia de violá-las, mas, se a punição for severa, terá jogadores expulsos e correrá o risco de ser derrotado. O simples conhecimento das conseqüências costuma ser suficiente para evitar o mau comportamento esportivo.

O mercado é muito mais antigo do que os jogos de bola medievais.
Recentes pesquisas indicam que o mercado pode ter sido responsável pela própria existência da humanidade. A especialização e o comércio permitiram que o Homo sapiens - o homem moderno - prevalecesse sobre o Homo Neandertalensis. A dominação do sapiens teria sido obra de um sistema econômico mais eficiente. O sapiens praticava o comércio e já fazia trocas de longa distância, o que lhe permitiu obter mais carne, elevar a fertilidade e aumentar a população. Sobraram menos suprimentos para os grupos do Neandertal, o que teria gerado o seu declínio e desaparecimento.

Não é exagero, assim, a comparação aqui feita entre o futebol e o sistema de mercado. Este nasceu antes, na esteira do surgimento do Estado, por volta do século 17. O Estado busca garantir o equilíbrio entre os diversos grupos da sociedade para o que detém o monopólio legítimo do uso da coerção, vedando à população a possibilidade de resolver os conflitos com a utilização da violência, que é sua prerrogativa.

O êxito do futebol e do sistema de mercado – que é sinônimo de capitalismo – tem a ver, portanto, com a existência de regras e de mecanismos eficazes para assegurar o seu cumprimento. O capitalismo gera crescimento e bem-estar quando há garantias de preservação do direito de propriedade, de respeito aos contratos e de regulação capaz de assegurar a concorrência e evitar as falhas de mercado. O futebol maravilha o público quando as regras são cumpridas e a competição é elevada.

O futebol e o capitalismo têm a sua origem na Inglaterra. O primeiro se tornou arte no Brasil, seu incontestável campeão. Não dá para dizer o mesmo do segundo, mas o capitalismo começa a fincar raízes no País, por força do desenvolvimento institucional dos últimos anos, como tenho procurado realçar neste espaço. É justo esperar que, com reformas das instituições e com o tempo, o sistema de mercado também dê certo por estas plagas.

(*) Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendências.com.br). Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 30/10/05.