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Esse blog é destinado a promover o debate de temas culturais e sociais, além de divulgar as ações realizadas por jovens moradores da comunidade São Remo, no bairro do Butantã (SP).

quarta-feira, novembro 02, 2005

ARTIGO

INCLUSÃO SOCIAL E O PROTAGONISMO COMUNITÁRIO

Por Anderson Nogueira (*)

“Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. Há cerca de três anos, eu e alguns amigos encaramos um desafio, montar um curso pré-vestibular comunitário para afrodescendentes e carentes. No começo, não tínhamos idéia do que nos esperava, estávamos em duas ou três pessoas, com uma idéia na cabeça e muita vontade de fazer algo relacionado à inclusão social. Participamos de algumas reuniões na sede do Educafro, ONG que gerencia uma rede de núcleos de cursinhos voltados a negros e carentes, e tivemos orientações de como formar uma estrutura para atender os alunos.Em janeiro de 2003, metemos as caras. Reunimos mais uma dúzia de pessoas do nosso meio, muitos participavam de movimentos da igreja católica e dessa certa forma já estavam engajados em alguma causa. A princípio parecia tudo muito bom, e realmente era.

Rapidamente conseguimos o espaço para dar aulas, uma escola municipal no bairro Parque São Lucas, com segurança, lanche, enfim, toda infra-estrutura que buscávamos. Faltavam somente os alunos. A divulgação foi feita em escolas públicas, obtivemos um bom retorno e montamos - todos muito felizes! - a primeira turma, com cerca de 40 alunos.

A partir de então, começou o trabalho para valer, muito trabalho. Apesar de voluntários, a cobrança por parte dos professores, alunos e funcionários da escola com relação ao projeto era a de um desempenho profissional. Isso nos trouxe uma maior gana para nos empenhar cada vez mais, buscando aprimorar a qualidade do curso e motivar os alunos, que muitas vezes chegavam à sala de aula com a auto-estima mais baixa que o salário que recebiam para trabalhar de segunda a sábado numa loja que ficava do outro lado da cidade ou numa casa de família, cuidando de crianças. Apesar das dificuldades, em 2003 tivemos resultados bastante positivos. Muitos alunos conseguiram vagas em faculdades privadas, com bolsas de estudo de até 100% concedida pelo Educafro e ainda dois alunos passaram em universidades públicas, na UNESP e na USP, uma vitória muito grande do nosso núcleo.

No entanto, muitos dos voluntários não tinham idéia da dimensão de todo aquele projeto, da situação humilhante a que foi renegada a população afrodescendente, que embora ainda busque cotas em universidades, não precisa de maneira alguma dessa mesma luta dentro dos presídios, nas favelas e nas esquinas para dormirem ao relento. Muitos dos que estavam engajados no projeto não percebiam ainda que a lei Áurea foi como aquela história do escravo e do senhor que andavam pelo deserto há dias e como só tinham um cantil de água o senhor foi misericordioso e disse ao servo "estás livre, não és mais meu servo".

Por outro lado, percebemos também que haviam alunos que estavam ali somente para ter uma companhia à noite, que não estavam preocupados com a nossa proposta de inclusão na universidade, que para um deficiente é mais importante ter um espaço em uma escola do que na maca de um hospital, e que a universidade é um sonho muito maior para quem já passou dos 40 do que para quem ainda nem chegou nos 20, só assim a realidade parecia real.

E nosso núcleo continuou o trabalho, porém o número de voluntários saindo sempre era bem maior daqueles que entravam. Além disso, a evasão de alunos também começou a ser tornar cada vez maior, por vários motivos, por exemplo: falta de motivação para os estudos, mesmo quando os professores tentam expor a importância do aprimoramento intelectual; falta de emprego; dificuldades familiares; deficiências do próprio núcleo, como falta de voluntários o que acaba por desestimular quem já tem que matar não só um leão, mas uma selva para chegar ali.

Já se passaram quase três anos e muito de nossas vidas ali, e hoje em dia, infelizmente, nosso núcleo já não mais consegue a mesma quantidade de voluntários ou de alunos que tínhamos no começo. Com pesar constatamos que o núcleo do Parque São Lucas está dando os últimos suspiros Talvez no ano que vem nem venha a funcionar, devido a nossa falta de braços, pernas e cabeças. Mas, como dizia Hipócrates, "na segunda vez, não é a mesma pessoa nem o mesmo rio".

(*) Anderson Nogueira, coordenador do núcleo Educafro Parque São Lucas e estudante do curso de graduação em Ciências Sociais.